O
RIO GRANDE DO NORTE É BREGA!
Fernando
Luiz Tavares nasceu na Policlínica, em Natal, no dia 21 de janeiro de 1952. Sua
mãe, Maria de Lourdes Tavares, era parteira do hospital. Ele não conheceu seu
pai, Luiz Gonzaga de Paiva, que abandonou a família quando o pequeno Fernando
completou 19 dias de vida. A trajetória de Fernando Luiz não foi fácil.
Inclusive, ela está muito bem retratada em sua autobiografia “Vida de Artista”.
Nem mesmo a conquista do prêmio de melhor calouro do programa de Chacrinha, em
1974, abriu as portas para o sucesso, que só veio quando gravou, em Belém do
Pará, no ano de 1984, o elepê “Vou Voltar p’ro meu Amor”. O disco incluiu a música “Garotinha”. Neste
ano de 2014, Fernando Luiz comemora 40 anos do título de “Calouro Exportação” e
30 anos do lançamento de “Garotinha”. Ele concordou gentilmente em celebrar estas
efemérides conversando com o Superpauta.
Por ser uma ocasião tão especial, o time de entrevistadores foi uma verdadeira
seleção: o videomaker Augusto Lula, os jornalistas Rafael Duarte e Fabiana
Bagdonas (ele biógrafo de Carlos Alexandre e ela responsável também pela
cobertura fotográfica da entrevista), além de mim e dos jornalistas Costa
Júnior e Roberto Fontes. Foram mais de três horas de conversa em uma noite de
domingo, regada a muita cerveja, na Trattoria Bella Napoli.
(robertohomem@gmail.com)
FERNANDO LUIZ – Mamãe me
criou sozinha, com a ajuda de uma tia minha e do marido dela. Passei bastante
tempo dividido entre a casa da minha mãe, de algumas tias e da minha avó.
Passei a infância entre Ceará-Mirim, Nova Cruz e Natal. Em Natal, morei com a
minha avó, Francisca das Chagas Tavares - a quem eu chamava de Dindinha - e com
o meu avô Pompeu Paulino Tavares. Eles tinham uma casa na Rua Desembargador
Lins e Silva, que hoje se chama Rua Condor. Fica ali perto da Praia do Meio,
embaixo do presídio, que hoje é o Centro de Turismo. Quando completei cinco
anos, fui morar com uma tia, Maria Anastácia.
SUPERPAUTA – E a sua
mãe?
FERNANDO LUIZ – Devido à sua
profissão de parteira, ela viajava muito. Às vezes morava no próprio local de
trabalho. Eu não podia morar em um equipamento de saúde. Em 1960, quando ela
casou pela segunda vez, fui morar em Ceará-Mirim. Fiquei quatro anos por lá.
SUPERPAUTA – O que sua
mãe dizia a respeito do seu pai?
FERNANDO LUIZ – Ela nunca
quis criar uma imagem negativa do meu pai, para mim. Dizia que ele era da
Marinha e que tinha ido embora por ela ser muito ciumenta. Mas, existe uma
espécie de mistério com relação a isso. Quando fui morar com meus tios, perdi
um pouco a curiosidade sobre este assunto. Esse tio, Joaquim Severiano, me
tratou como a um filho, e, de certa forma, preencheu a lacuna. Passei a pensar
em papai de uma forma neutra: não sentia raiva, nem saudade ou rancor. Até hoje
não tenho o nome dele na minha carteira de identidade. Só consta o da minha
mãe. O fato de não ter o nome dele no meu registro de nascimento nunca foi
problema para mim. Meus pais não eram casados no civil.
SUPERPAUTA – Você guarda
alguma lembrança dele?
FERNANDO LUIZ – A única
recordação que tenho é uma foto, que inclusive publiquei na autobiografia que
escrevi. Depois que fiz sucesso, encontrei alguns parentes dele, em Natal. Meu
pai faleceu em 1984. Soube disso porque, quando eu estava fazendo sucesso, um
irmão dele me procurou. Eu tinha terminado um show na “Gaiola do Louro”, no
Alecrim. O clube estava lotado. Eu ia viajar uma hora da madrugada, para Belém.
Na hora que saí, um homem se aproximou de mim, apertou a minha mão e disse que
era Aristides. Lembrei que meu pai tinha um irmão com este nome. Ele contou que
meu pai já tinha falecido. Fui embora e nunca mais encontrei este homem. Se há
uma coisa da qual me arrependo é de não ter marcado para depois conversar com ele.
Seria a oportunidade de desenrolar o mistério. Nunca tive condição psicológica
de conversar abertamente com a minha mãe sobre o meu pai. Ela tinha um
bloqueio: não falava sobre ele. Então, o que tenho do meu pai é como uma névoa
que não me trás nada: nem ódio, nem rancor, nem saudade. Ele é uma referência
nula na minha vida, é uma não referência.
SUPERPAUTA – Dentro do
seu círculo familiar alguém tinha tendência para a música?
FERNANDO LUIZ – Ninguém,
que eu saiba.
SUPERPAUTA – Você
poderia afirmar que seu pai não teria sido o portador do gene dessa veia
musical que consta no seu DNA?
FERNANDO LUIZ – Não posso
garantir com segurança, mas acredito que não. Se ele tivesse algum envolvimento
com a música, minha mãe teria me falado. Ela mesma se perguntava de onde eu
tinha tirado esse dom. O sonho da minha mãe era que eu fosse médico. Quando
comecei a cantar, ela ficou invocada. Descobri ligação com a música desde
pequeno, cantando os hinos da igreja. Apesar de hoje eu ser espírita, tenho uma
formação católica muito forte. Foi bom porque me serviu como referência na
vida. Lembro também que na época tinha uma cantora muito famosa chamada Luiza
de Paula. Ela morava perto de mim, no Areal. Quando falavam em Luiza de Paula,
para mim era uma coisa magnífica. Foi a minha primeira referência na música,
mesmo que eu não conhecesse o trabalho dela.
SUPERPAUTA – O que você
ouvia?
FERNANDO LUIZ – Minhas
primeiras lembranças auditivas são Patativa e Chico Traíra, eu escutando no
colo do meu avô, lá na Rua Condor. Por isso tenho um profundo respeito pelos
artistas eminentemente populares. Depois, já morando em Nova Cruz, com dez anos
de idade, ouvi muito a Rádio Nacional e também as transmissões de um concurso
para cantores chamado “A voz de ouro ABC”. Foi assim que comecei a me encantar
pela música, sobretudo a música romântica. Eu era fã de cantores como Orlando
Dias. Lembro-me de um sucesso de José Leão - natural de Lajes - que me marcou
muito: “Flor mamãe”. Depois passei a escutar Nélson Gonçalves, porque minha mãe
gostava. Mais ou menos nessa época, Núbia Lafayette fez sucesso. Em 1963, ainda
morando em Nova Cruz, assisti à apresentação de um garoto pernambucano chamado
Irakitan de Brito. O pai dele escolheu esse nome em homenagem ao Trio Irakitan.
Ele cantou “Foi Deus”, no Comercial Atlético Clube. Aquilo me estimulou a
cantar em público. Na semana seguinte, criei coragem e fui pedir uma
oportunidade ao diretor do clube. Aos 11 anos, cantei o bolero “Lado a lado”,
de Carlos Alberto. Minha mãe ouviu e chorou.
SUPERPAUTA – Aos 11 anos
você já tinha morado em três cidades?
FERNANDO LUIZ – Até então,
meu roteiro foi o seguinte: nasci em Natal, quando morávamos na Avenida 11, a
Manoel Miranda. Como minha mãe dava muitos plantões, meus avós vieram morar com
ela. Por volta de 1956, minha mãe mudou de emprego e foi morar em Ceará-Mirim,
no hospital. Fui viver com a minha tia, em Nova Cruz. Em 1960, mamãe casou pela
segunda vez. Saí da casa da minha tia, em Nova Cruz, e fui morar com eles, em
Ceará-Mirim. Alguns meses depois, meus avós vieram morar em Natal. Passei um
tempo com eles na Rua Condor, mais ou menos dois anos. Em seguida voltei para
Nova Cruz, onde fiquei até meus 16 anos. Mas continuei vindo muito a Natal, onde
cantava na “Sabatina da Alegria”, nos programas da Rádio Poti. Essa minha vida
de andarilho foi devido às constantes mudanças de emprego e instabilidades
financeiras da minha mãe. Depois dessa segunda experiência em Ceará-Mirim, ela
não casou mais.
SUPERPAUTA – Como ficaram
os estudos no meio dessas constantes mudanças?
FERNANDO LUIZ – Foi muito
complicado. Cheguei a ser reprovado três vezes seguidas em uma série. Mas, a
partir de 1961 a situação começou a se regularizar. Desde aquele ano, só mudei
de cidade depois de completado o ano letivo. Em 1964, quando fui morar em Nova
Cruz, passei a ter certa estabilidade, pois fiquei na cidade até 1968. Quando
concluí o ginásio, vim morar com uma tia, em Natal. A cidade me fascinava,
porque no interior eu ouvia rádio e ficava louco para vir cantar na “Sabatina
da Alegria”, na Rádio Nordeste, Rádio Poti... Nas férias, eu me inscrevia como
calouro, cantava e sempre ganhava prêmios: uma camisa da Girafa Tecidos, por
exemplo. O que eu mais gostava era participar da “Sabatina da Alegria”,
frequentar a Praia do Meio e assistir os filmes no “Cinema Rex”. Enquanto isso,
minha mãe continuava sua viagem itinerante pelo interior do Rio Grande do
Norte. Fiquei em Natal até 1973, quando fui para o Rio de Janeiro.
SUPERPAUTA – Na época em
que você cantava como calouro nas emissoras de Natal já pensava em ganhar
dinheiro com música?
FERNANDO LUIZ – Não, mas eu
sabia que não queria trabalhar com Medicina, embora não dissesse ainda a minha
mãe. Em 1965, quando morava em Nova Cruz, fui convidado para fazer parte de um
conjunto regional do Tenente Freitas. Aí sim, comecei a me animar. Recebi logo
uma nota de cinco mil cruzeiros, aquela com a efígie de Tiradentes. Comecei a
ganhar um dinheirinho. Eu também era locutor de um serviço de alto-falantes e
escrevia no jornalzinho do colégio. Mas eu não me iludia, sabia que tinha que
estudar para ter uma garantia, caso a música não desse certo. Tive a sorte de
ter herdado de minha tia o gosto pela leitura. Quando terminei o Gnásio, vim
para Natal fazer o Clássico. Na época eu pensava em ser advogado ou jornalista.
Antes de vir para Natal, em 1968, aos 16 anos, fui locutor da campanha política
de dona Joanita Arruda, em Nova Cruz. Eu e Bimbo (o filho da candidata, o
ex-deputado Leonardo Arruda), fazíamos a locução em uma Rural. Metido a
criativo, bolei o seguinte slogan: “é melhor votar numa grande mulher do que
num homem grande”. Só tinha um problema, o adversário, Severino Augusto, era
baixinho!
SUPERPAUTA – Atuar como
locutor na campanha de Joanita Arruda deve ter sido consequência de sua atuação
no serviço de alto-falantes. Como você conseguiu esse trabalho?
FERNANDO LUIZ – Cantando no
clube de Nova Cruz, comecei a ler uns comerciais substituindo o locutor da
cidade, Virgílio Aguiar, que às vezes viajava. Isso fez com que Agnaldo Rosendo
me convidasse para ser locutor do serviço e alto-falantes que ele tinha em uma
Rural. Depois, Rosendo comprou um gravador e me pediu para narrar um jogo de
futebol. Fui para a beira do campo, narrei o jogo e, à noite, a gravação foi
exibida pelo alto-falante da Rural, na praça. Foi um sucesso! Passou a ser
tradicional a transmissão do jogo no domingo, na praça, após a missa. Foi a
realização de um sonho, me escutar naquelas transmissões. Outro momento
inesquecível foi durante a campanha de dona Joanita, quando fiz a locução de um
comício com a participação de Aluízio Alves. Tem até a foto no meu livro. Dessa
forma, comecei a descobrir que eu tinha o dom de interagir com as massas. Percebi
que tinha alguma coisa a ver com palanque, com palco político e que tinha
interatividade com as massas e capacidade de mobilizar pessoas.
SUPERPAUTA – Depois da
campanha, você se mudou para Natal...
FERNANDO LUIZ – Vim para
Natal em 1969. Trouxe uma carta de dona Joanita endereçada ao seu filho,
Cassiano Arruda Câmara. Ele, que já me conhecia dos comícios, conseguiu um
estágio para mim na Rádio Cabugi. Eu não recebia pagamento, mas havia a
possibilidade de ser contratado quando surgisse uma vaga na emissora. Entrei no
começo do ano letivo, em 1969. Fui estudar no Padre Miguelinho. A Cabugi era ao
lado da Igreja São Pedro. Naquela época, Carlos Alberto tinha um programa
chamado “Bar da Noite”. Era transmitido das 22 horas à meia-noite. Ele colocava
uns efeitos que davam a impressão de que o programa era transmitido mesmo da
mesa de um botequim. Várias pessoas vieram do interior do estado para conhecer
esse “Bar da Noite”. Eu lia o noticiário durante o programa. Em maio daquele
mesmo ano, passei a ser “crooner” dos Apaches. João de Orestes me chamou para substituir
o cantor André Silva. Na época, Natal tinha muitas bandas, como Alerta Cinco,
The Jetsons, Os Milionários, Sempre Alerta, Infernais e Terríveis. Nessa época
passei a ser conhecido como “o menino de Nova Cruz”. Passaram a comentar que
tinha um menino de Nova Cruz que cantava muito. Estreei no dia 29 de maio, na
zona. Foi em Zeni Drink’s, em Morro Branco. A dona se chamava Inez. Ela colocou
seu nome ao contrário: Zeni. Estreei cantando “Férias na Índia”. Depois disso, falei
com Carlos Alberto e saí da rádio.
SUPERPAUTA – Quanto você
ganhava para cantar nos Apaches?
FERNANDO LUIZ – Recebia 100
cruzeiros por mês. Virei um astro aos 16 anos. Todos tínhamos vindo do interior
do estado. Eu era o mais novo da banda. Como andava de ônibus, vez por outra eu
lia escrito no estofado das cadeiras: “Fernando Luiz dos Apaches, eu te amo”. Eu
ficava louco com aquilo. Virei ídolo da periferia! A gente fazia mais sucesso
nas Quintas e nas Rocas. Na Assen, a agitação também era grande. Depois
passamos a tocar no ABC, onde hoje é o CCAB Norte. Para entrar no Quintas Clube,
era uma loucura. A domingueira mais famosa era lá. Como terminava mais tarde,
muitos músicos dos conjuntos iam pegar as menininhas na saída, para dar uma
voltinha no quarteirão. Numa dessas, uma garota ficou grávida de mim. Foi perto
de eu viajar para o Rio. Depois nos acertamos sobre esse assunto.
SUPERPAUTA – Você foi
muito namorador?
FERNANDO LUIZ - Naquela
época estava em evidência o movimento hippie. O Festival de Woodstock era muito
comentado. Inspirado em Joe Cocker interpretando “With a Little Help From My
Friends”, eu tirava a minha camisa e ficava só de colete, cantando nos Apaches.
Logo eu que nunca fumei um baseado! Eu, como católico, tinha medo de duas
coisas: maconha e de tirar a virgindade de uma menina. Ia à igreja todos os
domingos e até comungava. Ainda lia a epístola na missa, que era transmitida
pela Rádio Rural. Vivia num conflito. Às vezes achava que ia para o inferno, já
que a Igreja me proibia de namorar, de beber... Como poderia ser um cantor
desse jeito? Eu cumpria a parte da religião que mandava evitar a maconha e a
bebida. Mas me vingava nas meninas: virei o cara mais namorador da época.
SUPERPAUTA – As bandas
tinham repertório diferente? Algumas poderiam ser consideradas mais avançadas e
outras mais populares? Vocês conviviam entre si?
FERNANDO LUIZ – Os músicos
eram ligados uns com os outros, mas quando partia para o repertório, cada um
tinha o seu estilo. O interessante é que naquela época eu abominava e detestava
a música brega. Quando ouvia um disco de Jerry Adriani, eu torcia a cara. Para
mim, era o suprassumo da pobreza musical. Na época dos festivais, nós
cantávamos tudo: “Ando meio desligado”, “Alegria, alegria”, “Atrás do trio
elétrico”... Nosso perfil era o de um grupo popular, que na época significava cantar
The Beatles, Vinicius de Moraes... O mais básico que fazíamos era tocar Renato
e seus Blue Caps e Os Incríveis.
SUPERPAUTA – Você
cantava Beatles em inglês ou por meio de versões?
FERNANDO LUIZ – Eu cantava
em “portinglês”, copiando a letra. Quando tinha que cantar em um lugar mais
chique, a preocupação aumentava. Uma vez fui cantar “Where do I Begin (Love
Story)” em um programa de rádio. Não deu para decorar a letra, então a copiei.
Eu estava cantando, tudo ia bem. “Where do I
begin / To tell a story of how great a love can be / The sweet love story that
is older than the sea / The simple truth about the love she brings to me? /
Where do I start?”. Até
que veio um filho de uma mãe e tropeçou na estante onde a letra estava
acomodada. O papel caiu no chão, longe de mim. Sendo ouvido pelo estado
inteiro, comecei a inventar. “Laive suflai neston / Nesti instaigue espade
estrongue love uêi”. (risos). Foi arretado!
SUPERPAUTA – Dê o
exemplo de uma música considerada brega que você odiava.
FERNANDO LUIZ – Não existia
brega, havia a música cafona. Uma das canções que eu detestava era “A beleza da
rosa”. Outra era “Olhos feiticeiros”. Terrível! “Sorria, sorria” também me
desagradava. Eu ficava louco, ouvindo isso, e sem entender como essa gente
fazia tanto sucesso. Depois me apaixonei por esse mundo.
SUPERPAUTA – Wadick
Soriano, para você, era brega ou romântico?
FERNANDO LUIZ – Waldick foi
tema das serenatas que eu fazia para as minhas namoradas. Uma de suas músicas
que eu cantava era “A carta”. Na minha infância, Waldick estava situado um
patamar acima de Evaldo Braga. Mas, quando vim para Natal e fui fazer parte
desse movimento moderno e dançante, passei a ter vergonha de dizer que um dia
tinha gostado desse tipo de música. Passei a valorizar a minha imagem de
cabeludo que usava macacão e era meio hippie e moderno. Deixei de lado Waldick,
Núbia Lafayete, Carlos Alberto e um cara chamado Marco Antonio. Ele pisou em um
fio elétrico, lá em Irajá, e morreu eletrocutado. Quando entrei nos Apaches,
apagou uma página na minha vida. Morreu o intérprete de Waldick Soriano. A
última referência romântica antes de entrar nos Apaches, foi “Aline”. “J'avais
dessiné sur le sable / Son doux visage qui me souriait / Puis il a plu sur
cette plage / Dans cet orage, elle a disparu”. Foi a última vez, inclusive, que
cantei uma versão de Agnaldo Timóteo. “Ontem retornei / A areia / Branca e
ardente / E em vão, te esperei / Ouvi teu riso / Que era um guizo / Que uma
onda / Trouxe aos meus pés”.
SUPERPAUTA – O que você
passou a curtir depois que entrou nos Apaches?
FERNANDO LUIZ - Comecei a
ouvir, por exemplo, Jorge Ben. Em 1971, veio Tim Maia. Passei a cantar Paul
McCartney. Tem um detalhe que quero registrar aqui: a maioria dos cantores de
banda perde a sua identidade musical. Ele quer cantar parecido com o original.
Como achava bonito o jeito de Tim Maia, algumas vezes eu cantava parecido com
ele. Mas não costumava cantar parecido com ninguém, por isso consegui sair
incólume dessa situação. Quando resolvi seguir carreira-solo, eu já sabia o que
queria. Mas, a única unanimidade da época era Roberto Carlos. De A a Z. Ele
tocava em cabaré, no aniversário de 15 anos, em todo lugar.
SUPERPAUTA – Até na
igreja Católica...
FERNANDO LUIZ – “Jesus
Cristo” foi uma loucura. Mas eu dizia que na época dos Apaches me identifiquei
muito com o público jovem. Porém, quando fui trabalhar na Rádio Nordeste, no
final de 1972, aconteceu algo interessante. No programa que eu tinha, só tocava
Led Zeppelin, Emerson, Lake and Palmer... No máximo eu incluía versões das
músicas dos The Fevers e canções de Caetano. Quis mudar o perfil da rádio e me
lasquei. Quando o Ibope veio, meu programa deu traço. Era o programa com menos
audiência. Como a emissora tinha outros programas na mesma situação, contratou um
diretor artístico de Recife, Abérides Niceas. Fui fazer um programa à noite, o
“Show das 20”. Ele proibiu que eu tocasse música internacional. Contra a minha
vontade, comecei a tocar Evaldo Braga, Fernando Mendes, José Augusto... Os
índices de audiência melhoraram. Nessa mesma época, em maio de 1973, a Phonogram
realizou um festival de música no Centro de Convenções do Anhembi, em São
Paulo, para promover seus artistas. Reuniu a nata da MPB: Caetano, Milton, Gil,
Mutantes, Chico, Raul Seixas... Foi quando Caetano Veloso, que é o protetor dos
bregueiros, botou Odair José para cantar com ele. Quando Odair começou os
primeiros versos, recebeu uma vaia maior do mundo. Mas, ao final, os dois foram
aplaudidos. A partir daí, comecei a me ligar mais na música popular.
SUPERPAUTA – Qual a importância
de Caetano para a música brega? FERNANDO
LUIZ – Em 1968, ele gravou “Coração de Mãe”, de Vicente Celestino, no
“Panis et Circenses”. Quando voltou do exílio, em 1973, lançou um bolero no
disco mais experimental de sua carreira, o “Araçá Azul”. A música foi “Tu Me
Acostumbraste”. Aí ele já disse tudo. A música mais emocional, a que fala mais
direto ao coração são os boleros latinos. Depois, ele ainda gravou “Sonhos”, de
Peninha. Agindo assim, ele contribuiu para diminuir o preconceito contra a
música considerada cafona.
SUPERPAUTA – Por que
você foi para o Rio?
FERNANDO LUIZ – Em 1973,
depois de ter deixado de prestar vestibular para Medicina durante dois anos, eu
já não tinha mais como enganar a minha mãe. Filho único, era muito cobrado. E,
na música, eu ganhava pouco. Também não ia mais às missas, o que deixou a minha
mãe ainda mais invocada. Foi nesse cenário que comecei a pensar em ir embora. Eu
sabia que não teria futuro no Rio cantando o repertório dos Apaches. Passei a
assistir os programas de auditório e a sonhar com a história do cara que vence
um concurso de calouros e faz sucesso. Na mesma época, um amigo que estava por
lá – Daniel – disse que eu poderia ficar onde ele estava, em Bonsucesso. Eu
também tinha uma namorada que o pai trabalhava na Rádio Carioca. Então, comecei
a pensar: vou para o Rio me apresentar na “Buzina do Chacrinha”, se não vencer
como calouro, vou sobreviver cantando nas boates. Se não der certo na noite,
vou para a Rádio Carioca. Não dando certo na emissora, vou ser locutor de porta
de loja... Quer dizer, eu não tinha nada de concreto, só o meu sonho.
SUPERPAUTA – Como você
viabilizou sua ida para o Rio?
FERNANDO LUIZ – Carlos
Alberto me deu o dinheiro da passagem. Peguei um ônibus e fui. Saí de Natal no dia
16 de dezembro, cheguei dia 19, só o bagaço. Fui para o Rio com duas músicas
ensaiadas, uma delas era “Retalhos de Cetim”. Eu já tinha descoberto que queria
ser um cantor romântico. Contribuiu para isso o sucesso de Paulo Sérgio com a
música “Índia”, que ele tinha gravado na mesma época que Gal Costa, só que com
uma produção bem mais barata. Paulo Sérgio arrebentou. O sucesso de Evaldo
Braga também me fazia pensar que o meu caminho deveria ser aquele. Por outro
lado, eu raciocinava: apesar de gostar de ler, não sou um intelectual, não
tenho formação universitária, não posso cantar esse tipo de música mais
intelectualizada. Para seguir carreira-solo eu tinha que fazer um trabalho
popular.
SUPERPAUTA – Foi assim
que você resolveu tentar a sorte no Chacrinha...
FERNANDO LUIZ - Me inscrevi
no Chacrinha e, por sorte, na primeira participação fui escolhido o melhor da
semana. Ganhei uma TV preto e branco. Para mim foi uma grande coisa, pois as
pessoas passavam seis meses para conseguir uma chance de cantar. Iam e voltavam
depois. Eu consegui ficar entre os cinco que se apresentaram e fui o melhor da
semana, cantando “Mau Mau”, de Moacyr Franco. Depois voltei para a escolha do
melhor do mês. Éramos quatro finalistas, um de cada semana. O prêmio era uma TV
em cores, novidade na época, e o direito de disputar contra 11 concorrentes o
título de “Calouro Exportação/73”. Voltei a cantar “Mau Mau”. Meu principal
adversário era do Rio de Janeiro e tinha levado um caminhão cheio de pessoas,
com faixas e cartazes, para apoiá-lo. Depois que seis jurados votaram, a
disputa estava empatada em 3 a 3. O deputado Rubens Dourado escolheu o meu
adversário. Político, ele não tinha mesmo como votar contra alguém de sua
terra. Fui eliminado da “Buzina do Chacrinha”. Voltei para casa, arrasado. Eu
morava em uma pensão lá em Bonsucesso, dormia num sofá-cama com Daniel, claro
que um de costas pro outro, que eu não sou besta. (risos). Na segunda-feira,
comecei a pensar em procurar emprego. Na quarta, enquanto assistia ao seriado
Daniel Boone na televisão, entrou um comercial anunciando a “Buzina do
Chacrinha”, mas com a minha imagem na chamada. “A volta de Fernando Luiz, o
calouro injustiçado”. No dia seguinte chegou um telegrama da produção me
convocando para comparecer urgente à TV Tupi. Houve uma nova disputa e eu
venci. Chacrinha, malandramente, classificou os dois para a final do “Calouro
Exportação”.
SUPERPAUTA – Qual música
você cantou nessa nova disputa?
FERNANDO LUIZ – Em todas as
etapas cantei a mesma música, “Mau Mau”. Inclusive, depois que fui escolhido o
melhor do mês, Chacrinha mandou me chamar em seu camarim. Depois de ter
perguntado de onde eu era, ele falou que eu tinha chance de vencer o concurso e
recomendou que eu não mudasse a música. Com a vitória, comecei a me achar
importante. Os vizinhos lá de Bonsucesso já me reconheciam como “o menino do
Chacrinha”. Na final, quando Aracy de Almeida foi dar o seu voto, ela descascou:
“isso aqui é um festival de desafinação e o pior é esse aí de Natal”. Chacrinha
ficou invocado, até porque tinha saído propaganda de página inteira em “O Dia”,
com foto dele e a frase: “Aqui estão os melhores calouros do Brasil”. E Aracy
disse que era um festival de desafinação. Tenho esse áudio no CD, ela ofendendo
a todos. Chacrinha chamou o trombonista Pedrotti, que tocava com Elza Soares, e
disse pra mim, “cante aí, meu filho”. Cantei, acompanhado apenas por Pedrotti.
Depois, o Velho Guerreiro perguntou a cada um se eu desafinava. Todos disseram
que não. Pediu também a opinião do maestro Aloir Mendes. Ele respondeu que eu
era um dos melhores candidatos que tinham passado pelo programa até aquela
data. Chacrinha adiou a escolha do “Calouro Exportação/73” para a semana
seguinte.
SUPERPAUTA – E Aracy de
Almeida?
FERNANDO LUIZ - Levou um
esculacho do Chacrinha e foi retirada do júri do programa. No dia 10 de
fevereiro de 1973 – com Gilliard, Carlos Alberto e outros cinco amigos que
moravam no Rio torcendo a meu favor – voltei a cantar “Mau Mau”, na “Buzina do
Chacrinha”. Fui escolhido o “Calouro Exportação/73”. Foi uma loucura! O prêmio
era um fusca zero quilômetro. Na hora em que foi anunciá-lo, Chacrinha pediu
para eu dividi-lo com o segundo colocado. Fazer o que? Dividi e levei 9 mil
cruzeiros para casa. Com o dinheiro, comprei uma TV em cores e dei para dona
Hilda, a proprietária da pensão onde eu morava. Mandei uma parte para a minha
mãe e depositei 6 mil no banco. A situação melhorou um pouco, mas passei a
procurar trabalho na noite. Foi aí que percebi o quanto eu estava despreparado.
Além de não ter repertório adequado, eu era motivo de ciúme, por ter sido
eleito o melhor calouro do Brasil. Nessa época conheci Sidney Magal, Alcione e Elymar
Santos, que imitava Maria Bethânia cantando todo de branco. Como era difícil
conseguir lugar para trabalhar, o tempo foi passando, o dinheiro acabando e
voltei a enfrentar dificuldades.
SUPERPAUTA – E a
gravação de um compacto pela Copacabana, um dos prêmios do “Calouro
Exportação”?
FERNANDO LUIZ – Fazia parte
do prêmio assinar contrato com a Copacabana. Mas, antes disso, vim passar 15
dias em Natal, convidado por Carlos Alberto para uma temporada de shows.
Terminei ficando 45 dias. Nesse ínterim, Chacrinha brigou com a Tupi e deixou a
emissora, perdendo também a influência que tinha na Copacabana. E eu perdi a
chance de gravar o compacto. Em compensação, fiz muitos shows no Rio Grande do
Norte e conheci o governador Cortez Pereira. Ele me recebeu no Palácio e me
tratou muito bem. Nesse período participei da gravação do disco “Reencontro”,
no qual cantei uma música de Nélson Freire e outra de Napoleão Veras. O
governador me convidou para retornar em janeiro de 1975, para a festa do “Reencontro”.
SUPERPAUTA – Passado
esse período em Natal, como foi a volta ao Rio?
FERNANDO LUIZ - Passei o resto
do ano batalhando na noite, mas sem conseguir me firmar. O meu repertório era
romântico normal, não dava para competir com os grandes artistas performáticos
da época. A Alcione, por exemplo, cantava tocando trompete. Sidney Magal já
tinha toda uma experiência de ter passado pela Europa. Elymar Santos tinha uma
produção valorizando suas apresentações naqueles cabarezinhos da Lapa. Tinha um
cara chamado Edson Leite que cantava em várias vozes. Tinha também os travestis...
Os imitadores – como os clones de Evaldo Braga, José Augusto e Roberto Carlos –
também faziam sucesso. Sem falar nos grandes intérpretes. Eu era apenas um
cantor mediano: afinado e tudo, mas não tinha performance.
SUPERPAUTA – Como você
conseguiu sobreviver diante de tamanha competição?
FERNANDO LUIZ - O dinheiro
começou a acabar, e no ano seguinte eu não tinha mais nem onde morar. Fui
dividir apartamento com um amigo em Copacabana. Quando não tinha mais sapato, ganhei
um coturno da Polícia, dado por um amigo. Às vezes nem tinha o que comer. Eu
ficava em Copacabana, sem grana, olhando as pessoas passarem. Pegava minha
carteira da Ordem dos Músicos e ia pedir dinheiro nas esquinas. Foi um período
terrível, o pior da minha vida. Só melhorou em 1975, quando vim fazer os shows a
convite de Cortez Pereira. Além de ganhar uma grana, tive a felicidade de
conviver com artistas como Luiz Gonzaga, Ademilde Fonseca, Paulo Tito e Trio
Irakitan. Percorri com eles todo o estado, fazendo shows pelo projeto
“Reencontro”. Depois disso, ainda cantei nas inaugurações da Cidade da Criança,
do Bosque dos Namorados, do asfalto da Bernardo Vieira e das vilas rurais em
Serra do Mel. Cortez Pereira foi o governador que mais deu atenção aos
artistas, independente do estilo.
SUPERPAUTA – Feito esse
trabalho no estado, você voltou outra vez para o Rio...
FERNANDO LUIZ – Sim. Como
não deu certo o compacto na Copacabana, fui contratado pela Tapecar. Lá gravei
um disco que só vendeu 50 cópias. As coisas foram piorando até que, em 1976,
não aguentei mais. Minha grana acabou, não tinha trabalho. A gota d’água foi o
dia em que saí para procurar uma boate pra cantar. Entrei em uma, na Praça
Tiradentes. Lá encontrei um cara do “Impacto Cinco”, que estava tocando na
noite. Tinha umas 15 pessoas. Fiquei esperando o dono da boate. Foi quando
começou a tocar aquela música “All by myself”. Eu estava com uma fome maior do
mundo e uma das meninas da casa estava bêbada, dançando no meio do salão. Toda
vez que ouço essa música, lembro-me da cena. Não consegui emprego na boate e saí
a pé para a Lapa. Quando eu não conseguia nada, costumava ir para a última
boate. Eu dava uma canja e esperava para jantar. Cheguei às quatro da manhã. Em
instantes iam servir a ceia. Na hora que botei um prato - a minha única
refeição do dia - estava tocando uma música cantada por Roberto Carlos, “Eu me
recordo”. Nessa noite decidi mudar. Logo em seguida, encontrei um amigo, Rui
Ricardo, que hoje é do cerimonial da Assembleia. Ele me levou para a Abril
Cultural, no Rio. Lá, me organizei: aluguei um apartamento, comprei um
carrinho...
SUPERPAUTA – Quanto
tempo você passou na Abril? Como foi a experiência?
FERNANDO LUIZ - Fiquei
quatro anos. Eu já tinha casado com Cheilha e Stefenson já tinha nascido. Arranjei
o emprego na Abril, em 1976. Minha vida se normalizou. Eu cantava na noite
esporadicamente e, às vezes, até sem cachê. Até que, em 1979, surgiu outra
oportunidade quando Chacrinha lançou o concurso de “O melhor intérprete de
Roberto Carlos”. Só para tirar onda, me inscrevi. Mas, depois que ganhei as
duas primeiras fases, me animei. Na semifinal fui para São Paulo, de ônibus,
cantar “Como vai você”. O concorrente tinha escolhido “Força estranha”. Na hora
da votação do melhor, Cinira Arruda deu seu veredito: “vou ficar com o rapaz do
Rio Grande do Norte porque ele canta muito e também porque essa música de
Antonio Marcos é um clássico...”. Aí Chacrinha falou: “Mas não é de Antonio
Marcos, é de Roberto Carlos”. Ela insistiu que Roberto Carlos interpretava, mas
a composição era mesmo de Antonio Marcos. “Está desclassificado”, disse
Chacrinha, apontando para mim. “A música tem que ser cantada e de autoria de
Roberto Carlos”. O programa era transmitido ao vivo. Tive uma reação decisiva:
aproximei-me do microfone e argumentei: “mas o outro candidato cantou “Força
Estranha”, que é de Caetano Veloso”. (risos).
SUPERPAUTA – Qual a
reação de Chacrinha?
FERNANDO LUIZ – Ele quis
desclassificar os dois, mas resolveu marcar outra data para uma nova disputa.
Voltei para o Rio e, na Urca, descobri o fotógrafo do Chacrinha, Delgado. Mandei
fazer 200 fotos preto e branco pequenininhas. Fiz também umas vinte cópias da
letra da música que eu tinha escolhido para cantar, “Os seus Botões”. No dia da
apresentação, peguei o ônibus às seis da manhã, no Rio, e cheguei às onze, em
São Paulo. Tinha um carro da produção para levar para o ensaio, marcado para às
16 horas. As filas começavam a se formar na porta do teatro às duas e meia da
tarde, três horas. Depois que ensaiei, peguei a bolsa onde eu levava as fotos e
as letras mimeografadas e fui até a fila, cheia de empregadas domésticas, do
povão. Para cada uma delas eu me apresentava e dizia que ia cantar no
Chacrinha. Ao final, oferecia uma foto de lembrança. Autografava, entregava e
pedia uma força. Geralmente as pessoas eram do Norte e do Nordeste. Fiz corpo a
corpo igual a político. Na minha vez de cantar, quando comecei “Os botões da
blusa que você usava...” ouvi alguns aplausos espontâneos. No segundo verso - “E
meio confusa desabotoava” - uma moça levantou a foto e, em seguida, as outras
levantaram também. De repente começou o coro: “já ganhou, já ganhou”. O júri
não teve nem o que pensar duas vezes. Ganhar o prêmio de “O Melhor intérprete
de Roberto Carlos” me fez voltar a cantar.
SUPERPAUTA – Como era a
sua relação com as chacretes?
FERNANDO LUIZ – Naquela
época, as chacretes e as mulatas de Sargentelli eram o sonho de consumo sensual
de todo homem. Mas, no programa botavam moral. Pude me aproximar delas em
viagens que fiz pelo interior para cantar em shows que o Chacrinha vendia para
prefeituras. Certa vez eu estava lá atrás, entretido com uma revista Seleções. Foi
quando uma das chacretes sentou perto de mim. Conversa vai, conversa vem, ela
pediu para encostar a cabeça em meu ombro. Dali em diante foi um festival de
contorcionismo no banco do ônibus...
SUPERPAUTA – Como funcionava
a questão do jabá?
FERNANDO LUIZ – O jabá
daquela época era diferente desse jabá mais mercantilista que parece existir
hoje, de pagar para tocar determinado artista. O que acontecia era uma negociação
com as gravadoras. A “Rádio Povo”, por exemplo, fazia uma programação de
aniversário e botava 20 mil pessoas no ginásio Paulo Sarasate. As gravadoras
mandavam os artistas de graça, embora a emissora cobrasse ingressos. Em troca,
a rádio tocava os discos desses cantores na programação. Era um jabá oficial. Hoje
é muito diferente: se paga antecipado para transformar uma porcaria em sucesso.
Antigamente não era assim. Para fazer sucesso, o artista popular tinha que ir
às gafieiras, aos programas de audiência popular. Os divulgadores percorriam as
rádios. Meninas eram contratadas para telefonar para as rádios pedindo
determinada música. Um bom dinheiro era gasto em ficha telefônica. Além disso,
tinha o sucesso espontâneo, como foi o de Carlos Alexandre. Hoje essa
possibilidade não existe mais.
SUPERPAUTA – Carlos
Alexandre foi um sucesso espontâneo?
FERNANDO LUIZ – Faz 25 anos
que ele morreu e continua mais vivo do que muito artista de nossa época. Só não
é referência maior porque o Rio Grande do Norte não teve força para
transformá-lo em um ícone. Como artista, Carlos Alexandre foi muito mais
criativo e autêntico do que, por exemplo, Reginaldo Rossi. Carlos Alexandre cantava
com naturalidade. Seu sucesso veio quase que por acaso. Já Reginaldo era
inteligente e estrategista. Para se ter uma ideia de sua perspicácia, Reginaldo
Rossi incorporou nada menos do que o cantor mais cafona do mundo: Elvis Presley.
Ele também quebrou o tabu do chifre. Odair José dizia que alguns homens sentem
vergonha de assumir que são cornos. Quando são traídos, vão para a cobertura e
ouvem todas as músicas consideradas ruins, tomando um litro de uísque. Quando
descobrem a traição, nem comentam com a mulher, para tudo ficar na mesma.
Reginaldo quebrou esta escrita: disse que gostava de ser corno. Quebrou um
paradigma. Ele foi um artista caricato, no bom sentido. Foi um performático do
brega. Carlos Alexandre era verdadeiro. Até no dia-a-dia ele se vestia como nos
shows: calça estampada e camisa quadriculada. Gostava de se apresentar com
ternos rosa nos programas de televisão. Eu achava horroroso. A sua performance
não era pensada.
SUPERPAUTA – Waldick
Soriano e Agnaldo Timóteo não gostam de ser classificados como bregas. Eles se
auto-intitulam cantores românticos. Já Fernando Mendes, Bartô Galeno e Carlos
Alexandre se diziam bregas. Quando você se assumiu um cantor brega? Foi
difícil?
FERNANDO LUIZ – Depois de
toda a experiência na TV, de cantar em boates e nos inferninhos e de descobrir
que não me interessava ser um artista erudito - pois eu não tinha um
conhecimento profundo para aquilo - decidi que seria um cantor romântico
popular. A palavra “brega” só começou a existir com esse significado no início
dos anos 1980. Até então, o termo usado era “cafona”. Não tenho problema com
relação a ser chamado de brega.
SUPERPAUTA – Foi difícil
deixar a Abril para voltar a cantar?
FERNANDO LUIZ – Em 1980, eu
estava satisfeito com a minha vidinha de vendedor de livros. Viajava o país
quase todo, tinha um salário razoável e meus dois filhos já tinham nascido: Stefenson
e Fernanda. Foi quando Carlos Alberto – que havia levado Carlos Alexandre e
Gilliard para a gravadora RGE – me convidou a voltar a cantar. Respondi que
estava me apresentando, cantando na noite. Mas a sugestão dele era para eu
voltar a viver exclusivamente da música. Perguntou se eu queria ir para a RGE.
Respondi que sim. Ele estava abrindo um jornal em Natal, chamado “Folha da
Manhã”. Me convidou para ser o diretor comercial. Eu passaria um período
trabalhando no jornal e depois ele me levaria para a RGE. Mudamos para Natal. Trabalhei
no jornal dele: fui vendedor, escrevi matérias, fiz de tudo. O jornal, que era semanal,
não sobreviveu. Quando quebrou, pedi demissão. Estava disposto a voltar para o
Rio de Janeiro quando encontrei Osvaldo Garcia, que era deputado e compositor.
Cantei uma música minha para ele: “Você fez de mim um Poeta”. Osvaldo ficou
louco por ela e prometeu pagar um disco para mim. Entrou em contato com
Maurílio Costa – compositor de grandes sucessos de Carlos Alexandre – e acertou
para eu gravar um compacto. Mas, quando Maurílio ouviu a música, disse que não
tinha nada a ver, que nem a minha família ia comprar. “Você com essa cara de
galã tem que cantar é música de brega”. Fui para Recife, lá Maurílio produziu o
disco com duas músicas: “Onde ela está” e “Padre... pare o casamento”. São duas
canções bregas ao extremo.
SUPERPAUTA – Qual a
repercussão desse disco?
FERNANDO LUIZ - Peguei a
gravação e fui para o Rio de Janeiro, de ônibus – Osvaldo me deu a passagem. Depois
de peregrinar por algumas gravadoras, encontrei como chefe do departamento de
divulgação da Odeon um ex-assistente de produção do Chacrinha, Ricardo Silveira.
Ele gostou do tape e me apresentou a Miguel, do “The Fevers”. Muito sisudo,
Miguel – que tinha lançado José Augusto e Fernando Mendes – disse que lançaria
um disco meu para concorrer com Carlos Alexandre. Mandou-me voltar para Natal e
preparar um repertório para lançar um elepê em um ano. Enquanto isso, sairia o
compacto com as duas músicas. Saiu o disquinho e pela primeira vez na vida recebi
tratamento de astro. Fiz até uma sessão de fotos no Parque da Cidade, com o
fotógrafo Amicucci Gallo. No dia seguinte, ele pediu para fazer outras fotos,
pois não tinha gostado do resultado. Amicucci me deu os negativos que não
serviram. Dois meses depois saiu o compacto. Fui divulgar o disco em Recife,
João Pessoa, Natal, Mossoró e Campina Grande. Cantei em cabine de parque de
diversão, andei em cima de caminhão, divulguei em todo o lugar que foi
possível. O resultado é que foram vendidas 1.680 cópias. Comparando com o
primeiro, que vendeu apenas 50, já foi alguma coisa.
SUPERPAUTA – Foi nessa
época que você voltou a trabalhar em rádio?
FERNANDO LUIZ – Sim, comecei a trabalhar na Rádio
Trairi. Foi também quando descobri o circo. Passei por cada situação... Algumas
vezes cantei sem microfone ou acompanhamento. Em outras, embaixo de chuva. Teve
ocasiões de, antes de me apresentar, eu ficar sentado em um tamborete vigiando
a cerca para evitar de os meninos entrarem por ali, sem pagar. Convivi com
muitos personagens interessantes no circo, como Facilita, Carretinha, Polegada,
Serenata e Bolachinha. Como o compacto fez sucesso, mudei o perfil
definitivamente para o universo brega e passei a compor nesse estilo. Foi nessa
época que compus “Garotinha”, mas não gravei. Guardei. No ano seguinte, quando
eu já me preparava para voltar ao Rio onde gravaria o prometido elepê, a Odeon
me dispensou. Miguel tinha saído e ido para a RCA Victor. Fiquei num mato sem
cachorro, morando em uma casa alugada no Alecrim e cantando em circo. Sorte que
meu programa na rádio, chamado “Geração Colorida”, tinha boa audiência. Certo
dia, eu estava na rádio quando chegou um diretor da Gravasom, de Belém do Pará,
para divulgar o elepê de Ari Santos, irmão de Carlos Santos. Depois de ouvir meu
compacto na discoteca da emissora, ele perguntou se eu queria gravar um elepê
com a Gravasom. Topei e ele me mandou preparar o repertório.
SUPERPAUTA – Além de
“Garotinha”, você tinha outras músicas prontas?
FERNANDO LUIZ – Tinha umas
oito músicas, entre elas “Garotinha”, “Fique comigo” e “Saudade Machucante”. Quando
completei as dez, enviei para Alípio Martins, que era produtor musical da
Gravasom. Ele só aprovou três e completou com outras canções suas. Fui para
Belém e gravei meu primeiro elepê. Quando cheguei à cidade, não tinha dinheiro
para pegar o táxi até o hotel, nem havia ninguém me esperando. Fiquei
observando: quando apareceu um médico que pagou a corrida até o Centro da
cidade, disse a ele que era músico, que tinha sido roubado e pedi uma carona.
Fui com ele. Comecei a gravar o disco: segunda, terça... Na quarta-feira botei
a voz guia. Tive que antecipar a gravação porque Carlos Santos ia precisar do
estúdio. Voltei para Natal com o disco pela metade, faltando eles completarem
os arranjos. Um detalhe é que na Gravasom o artista tinha que fazer a sua capa,
inclusive contratar fotógrafo. Lembrei dos negativos de dois anos antes e
mandei pra lá. Assinei contrato de quatro anos. Em setembro, meu disco saiu,
depois de 15 anos de batalha. Não existe emoção igual! Eu estava em casa quando
ouvi alguém me chamar, na calçada. Era Ivanaldo, o divulgador da Gravasom.
Quando abri a porta, lá estava ele com a capa do meu elepê. Nessa noite não
dormi. Fiquei deitado, olhando para a capa do disco. Eu nem podia ouvi-lo, porque
não tinha vitrola em casa. Resolvi zapear, no rádio. Sintonizei a Rádio Marajoara:
“vamos ouvir agora o novo lançamento da Gravasom”. E tocou uma música de Carlos
Santos, o dono da gravadora. Pouco tempo depois: “agora o novo contratado da
Gravasom, Fernando Luiz”. Tocou a música “Vou voltar pro meu amor”, que foi o
título do disco.
SUPERPAUTA – Não foi
“Garotinha”?
FERNANDO LUIZ – Não.
Inclusive, “Garotinha” passou a ser a música de trabalho por causa da rádio Verdes
Mares. Naquela mesma noite, quase uma hora depois de eu ouvir uma música minha
na Rádio Marajoara, a Verdes Mares tocou “o novo contratado da Gravasom, o
cantor potiguar Fernando Luiz”. Um mês depois eu tinha vendido 9 mil elepês.
Pedi licença da Rádio Trairi e fui cuidar da divulgação. Aí já tinha passagem
de avião, hotel duas estrelas (que pra mim já era bom demais), divulgador à
disposição e táxi no aeroporto. Como eu vinha de rádio e já tinha passado pela
noite, tinha facilidade de fazer a divulgação. Além disso, minha formação
cultural era diferenciada, se comparada aos grandes artistas do gênero brega. O
papo deles não rendia muito. Eu chegava às rádios e emissoras de TV e
respeitava as pessoas, não era metido a garanhão, diferente de outros artistas.
Era respeitado também por isso. Nas entrevistas, começaram a perceber que meu
papo era outro. O problema é que a minha gravadora não investia.
SUPERPAUTA – Você se
preparou para o fim do sucesso?
FERNANDO LUIZ – Eu sabia
que todo artista tem uma fase de sucesso. Zé do Foto, um analfabeto de Recife, certa
vez me disse para eu tomar cuidado, porque todos os cantores passam um dia. Eu,
Carlos Alexandre e José Augusto seríamos sucesso temporariamente. Na sua visão,
só havia três pessoas que ninguém esqueceria nunca: Roberto Carlos, Luiz Gonzaga
e Frei Damião. É uma sabedoria da porra! Lógico que ele não conhecia outros
ícones como Gilberto Gil e Caetano, mas eu entendi que era um artista regional,
sabia que o forró-brega e a lambada iam passar.
SUPERPAUTA – Musicalmente,
o Rio Grande do Norte tem uma ligação muito forte com a música brega ou cafona.
Porém, a mídia parece não dar tanto espaço aos artistas desta tendência. Você
concorda com esta tese?
FERNANDO LUIZ – A questão é
mais séria ainda: o Rio Grande do Norte perdeu a oportunidade de ser a
referência para o Brasil da música romântica. Vejamos o exemplo de Pernambuco,
que é a terra do frevo e da cultura popular que engloba vários estilos e
artistas de respeito. Na Bahia, apesar de alguns artistas se digladiarem nos
bastidores por não aceitarem muito o “axé music”, na frente do público eles se
beijam. No Ceará, o forte é a vertente do humor e do forró. O RN poderia hoje ser
uma referência na música romântica. Nosso estado deu o Trio Irakitan - que
durante 30 anos foi considerado o segundo trio mais famoso do mundo. Deu também
Núbia Lafayete. Carlos Alexandre é um ícone da música popular-romântica. Estes
três são top de linha. Num segundo plano temos Gilliard, Bartô Galeno, Carlos
André, Gilson... Se o potiguar não fosse tão subserviente ao que vem de fora,
se aqui não houvesse uma elite tão metida a besta, esses artistas poderiam ter
fortalecido outros gêneros musicais e artistas do estado. Reginaldo Rossi era
reverenciado em Pernambuco. Aqui os artistas românticos se sentem desprezados. Eles
não se sentem estimulados para lá fora sequer citar o estado como referência. Elino
Julião, por exemplo, foi tão discriminado aqui como cantor de forró que mudou
seu estilo para o brega. Como não foi feliz nessa mudança radical - só conseguiu
relativo sucesso com “Cofrinho do Amor” – depois teve que voltar pro forró. Se
não fosse resgatado por aquele trabalho que Candinha Bezerra fez, talvez hoje ninguém
soubesse quem ele foi. Temos agora o Arnaldo Farias, o melhor improvisador de “no
calor da vaquejada”. O preconceito é forte, os artistas mal se conhecem. Em
Recife é impressionante como os artistas de diversos estilos se respeitam uns
aos outros.
SUPERPAUTA – Você foi
vítima de discriminação por seu estilo musical?
FERNANDO LUIZ - Tem uma
coisa mais grave ainda: os próprios colegas populares desprezam os artistas
populares. Mas eu fui discriminado demais! Certa ocasião, fui participar de uma
reunião na Capitania das Artes. Um artista famoso, quando me viu, virou o rosto
para o outro lado. Alguns fingem que não me conhecem. Hoje a discriminação é
menor porque me respeitam pelo trabalho que faço na televisão e pelos projetos
sociais. Mas eu não guardo mágoa. Só lamento que, com essa desunião, quem mais
perde é o estado, que fica fraco e sem referência. O estado realmente não trata
bem quem poderia representá-lo. Outro dia a minha filha Fernanda, no auge do
seu sucesso como “top model”, veio até Genipabu fazer umas fotos para a revista
Caras. O fotógrafo foi proibido de subir as dunas com seu equipamento profissional.
Foi obrigado a fazer o seu trabalho com uma câmera amadora! Dez dias depois
Fernanda estava na capa da Caras, divulgando Natal para todo o mundo.
SUPERPAUTA – Fernanda
Tavares deu um upgrade na sua carreira?
FERNANDO LUIZ - Tive que
administrar esse lado muito bem, porque nunca quis isso. Do contrário eu ia
pegar a minha história toda de 40 anos e me transformar em um papagaio de
pirata de Fernanda. Sempre fiz questão de não atrelar o meu nome ao dela, e
minha filha entende isso. Certa vez, meu genro, Murilo Rosa, falou sobre mim no
Programa do Faustão. “Fernando Luiz arrebenta em Natal”. Bastou ele dizer isso
para, na mesma hora, meu telefone começar a tocar. Mas eu não quero isso,
porque não faz sentido. Foi diferente do dia em que ela estava fazendo um ensaio
fotográfico em Miami, durante um evento que reuniu vários artistas latinos. Lá
para as tantas, um dos organizadores a viu escutando uma música minha, o “Melô
do bum-bum”. Ele perguntou quem era e pediu para ouvir. Quando soube que o
cantor era o pai da Fernanda, ele disse que me queria no encontro. Peguei um
avião e fui para Miami. Lá estavam Shakira, Enrique Iglesias e José Feliciano,
entre outros artistas, além de várias modelos famosas da época. Quando me viam,
perguntavam naquela língua enrolada: “Bossa nova?” Eu respondia, também
enrolando a língua: “não, brega”. (risos). Quando fui cantar, comecei com “Garotinha”.
Depois, quando estava cantando “Melô do bum-bum”, ouvi lá no fundo alguém
cantar “La bamba”. Era José Feliciano! No final, me deram um violão e fui
chamado para encerrar esse desfile. Resumo da história: fui porque era pai de
Fernanda, mas saí de lá como um cantor.
SUPERPAUTA – Seu livro
“Vida de Artista” é uma autobiografia muito séria e honesta. Como se fosse uma
autobiografia não autorizada. Você não acha que se expôs muito?
FERNANDO LUIZ – Estou
gravando um CD chamado “Canções Fraternas, volume 2”. São músicas inspiradas no
Evangelho. Sou espírita. Todo mês faço palestras. Quando chego nesses lugares,
faço questão de mostrar quem eu sou. Sou uma pessoa normal: não sou ladrão, nem
corrupto, nem assassino. Se tivesse cometido excessos que são naturais do meio
artístico, eu diria tranquilamente. Se eu tivesse me envolvido com drogas ou
álcool, teria dito. Vim tomar uísque depois dos 40 anos de idade. O que me
ajudou a evitar isso foi a formação tradicional e careta da Igreja Católica,
que me acompanhou até os 25 anos de idade. Por isso fiz questão de não esconder
nada no livro
SUPERPAUTA – Você virou
espírita depois de enfrentar um processo de depressão. Como foi?
FERNANDO LUIZ – É a pior
coisa do mundo, não desejo a ninguém. Passei três meses, foi como uma morte. Eu
não transava com a minha mulher, tinha medo de ficar sozinho, não saía de casa...
Rapaz, foi terrível! Quando ganhei o concurso de “O Melhor intérprete de
Roberto Carlos” tive também uma experiência incomum. Alguns até não acreditam. Pouco
tempo antes de eu participar da final do concurso, fui operado em Três Pontas
(MG) de uma apendicite supurada. Depois da operação, deu uma inflamação chamada
abscesso de parede e o médico teve que abrir a cirurgia. Disseram que não ia
dar tempo para eu participar do concurso, pois demoraria mais de dois meses
para a ferida cicatrizar. Ironicamente, no dia 10 de fevereiro de 1974 fui escolhido
“Calouro Exportação” no programa do Chacrinha. Cinco anos depois, no dia 10 de
fevereiro de 1979, fui operado dessa apendicite. Em abril ia ser a final de “O Melhor
intérprete de Roberto Carlos”. Quando saí da clínica para continuar o
tratamento em casa, tinha uma Kombi parada na porta, tocando “Como vai você”, a
música que eu ia escolher para tocar na final. Naquele instante eu disse a mim
mesmo que ficaria curado a tempo. Uns acham que foi auto-hipnose, outros que
foi a força da mente. Tem também quem acredite que foi uma cura espiritual. O
certo é que, a partir daquele dia, todas as vezes em que fui fazer o curativo entrei
em um processo de concentração. Eu rezava e entrava em um processo tão grande
de conscientização interior, que no quinto curativo a enfermeira tinha que
bater no meu braço para avisar que tinha terminado o seu trabalho. Quando
faltavam nove dias para a final, a ferida estava cicatrizada. Resultado: fui lá
e ganhei o prêmio. A partir daí comecei a abrir a minha mente e a ler obras de
Martin Luther King, Chico Xavier...
SUPERPAUTA – Carlos
Alexandre também teria contribuído para a sua conversão ao espiritismo...
FERNANDO LUIZ – A minha mulher, Joelma, é médium. Quando Carlos Alexandre morreu, eu estava na Paraíba para shows em Souza e Pombal. Soube da morte quando cheguei em Catolé do Rocha. Algum tempo depois, minha mulher estava deitada na nossa casa. Eu estava fora, fazendo algum show. Ela sentiu a presença de Carlos Alexandre, como se ele tivesse sentado na cama. Quando minha mulher abriu os olhos, ele a chamou e atravessou um pergolado. Ela tentou passar também, mas bateu com o rosto no pergolado. Ficou muito assombrada com aquilo. Fomos ao Centro Espírita Waldemar Matoso procurar explicações para o fenômeno. Isso foi em 1990, a partir daí comecei a conhecer a doutrina espírita. Gostei: ela não proíbe nada, não critica ninguém... Saí com várias mulheres, fiz e aconteci. Mas a Bíblia diz que Salomão teve mil mulheres. Davi mandou um cara ir para a guerra para ficar com a mulher dele. E por aí vai. Comecei a encontrar explicações...
SUPERPAUTA – A música
“Garotinha” foi feita para a sua mulher?
FENANDO LUIZ – Certa vez
fui fazer um piquenique e passei em uma casa que tinha uma menina na janela. A
beleza dela me marcou, mas esqueci. Quando Taiguara fez uma música tipo a
menina da janela, lembrei. “Garotinha” fala no interior, na roça, naquela
casinha, tudo muito meio bucólico... As mensagens são muito simples. “Garotinha”
não foi feita pra ninguém. Entretanto, em 1986 eu estava fazendo um show
político em Mossoró quando vi aquela menininha lá no meio da multidão. Eu, com
34 anos, ela com 14. Hoje sou casado com Joelma e temos duas filhas. Tudo o que
a letra diz, gravada dois anos antes, aconteceu em 1986. Virou uma música
profética. Considero que a fiz para a minha esposa.
SUPERPAUTA – Como alguém
que tem interesse em conhecer sua história mais detalhadamente pode adquirir o
seu livro?
FERNANDO LUIZ – Por eu ser
um artista brega e um cantor popular, alguns intelectuais - excluindo os que têm
interesse nesse segmento musical e aqueles com visão mais ampla - não vão achar
que o livro merece ser lido. Algumas pessoas que não se identificam com meu
estilo podem não acreditar que eu possa fazer uma narrativa sincera e, modéstia
a parte, agradável de ler. Existe essa dificuldade de as pessoas formadoras de
opinião conhecerem o meu trabalho. O livro só está à venda em dois lugares: na
Nobel da Salgado Filho e na Banca Cidade do Sol, do Tota, lá na Afonso Pena,
perto do CCAB Norte. Minha mulher até diz que sou muito xiita. Depois que li no
jornal que uma livraria da cidade não estava expondo as obras dos artistas da
terra na sua vitrine, desisti de deixar meu livro lá. Essa primeira tiragem foi
de mil exemplares. Tenho uns 30 ou 40 em casa.
SUPERPAUTA – O que você
está fazendo agora?
FERNANDO LUIZ - Estou
preparando um novo DVD e continuo fazendo shows. Diminuí a intensidade das
apresentações por conta do meu programa de televisão e dos meus projetos sociais.
Um próximo livro também está aprovado pela lei de incentivo a cultura. Não sei
como vai ser, porque não poderei vender. Vai se chamar “A arte de Pés Descalços”.
É a história do meu show das comunidades. Fiz cerca de 80 shows ao longo de dez
anos. Atravessou três administrações estaduais e municipais. É um projeto
cultural de grande alcance social. O livro conta desde o começo, em 2000, até
os dias atuais. Outro que estou preparando – por conta própria – reúne textos
da coluna que escrevo toda semana no Jornal Metropolitano. Já tenho cerca de 150
artigos. Fiz uma seleção e estou lançando um livro chamado “Com a boca no
trombone”. Todos esses artigos são críticos e atuais.
SUPERPAUTA – Se Natal
reconhecesse os seus artistas, como você gostaria de ser reconhecido?
FERNANDO LUIZ – Como um
cantor popular que ama Natal e que tem mais do que a vontade de ser um cantor
de sucesso: tem o desejo de que os artistas daqui sejam reconhecidos. Obviamente
alguém vai lembrar-se de mim como o autor de “Garotinha”, como o pai de
Fernanda Tavares. Mas quero também ser lembrado como o artista que dedicou
parte de sua vida aos outros artistas. Se eu for reconhecido pelo público, não
precisa nem o poder público me reconhecer. O público é a maior comenda.
Roberto, amei a entrevista. Ela me deu a oportunidade de conhecer a vida artística de Fernando Luiz. Abraço.
ResponderExcluirGrande Fernando Luiz! Sinceridade e solidariedade meu amigo tem de sobra. Parabéns pela entrevista.
ResponderExcluirRoberto, faz uma entrevista com o cantor Casé Henrique. Ele tem muitas histórias pra contar.
ResponderExcluirSeu contato é: https://www.facebook.com/cantorrcasehenrique. Grande abraço
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirOlá, me desculpe qualquer impertinência; Mas seria você parente do inestimável e saudoso médico cirurgião e poeta baiano Henrique do Rio, falecido em meados de 2008 ou 2009 em Armação dos Búzios - RJ?
ExcluirGrato.
Abaixo deixo o meu contato no Facebook:
https://www.facebook.com/profile.php?id=100013375744496
Grande Fernando Luiz! Cantor romântico. Sou fã de Fernando Luiz e toco em meu programa MÁQUINA DO TEMPO, na Rádio Rainha do Sol FM 105,9 de Indaiatuba, SP. Sou recifense, e estou em São Paulo há 48 anos. Sucesso para Fernando Luiz neste 2018!
ResponderExcluirGrande Fernando, que satisfação em rever um pouco de sua longa estrada, com muitos obstáculos. O importante é que venceu o tão grande sonho. Graças a Deus vc venceu o lado saúde. Foi preocupante demais. Hj de de nossa senhora do Carmo, lembrei do querido Ginásio de nossa senhora do Carmo, de nossa Nova Cruz.
ResponderExcluirGrande abraço