O
BIÓGRAFO DE CARLOS ALEXANDRE
Foto: Fabiana Bagdonas |
Segundo
Augusto Lula, “Rafael faz a interseção do antigo jornalismo com o atual, onde
as redações estão muito assépticas. Ele ainda é aquele jornalista boêmio, que
encontra as notícias nas ruas, o que hoje se tornou difícil”. Augusto Lula, eu
e os jornalistas Roberto Fontes, Fabiana Bagdonas e Costa Júnior entrevistamos
Rafael Duarte na Cigarreira do Gil, no domingo da partida final do campeonato
estadual carioca deste ano. Ele contou sua história desde a época de menino, em
Brasília. Falou da mudança da capital federal para a capital potiguar, dos
tempos de UFRN e da atuação no jornalismo norte-rio-grandense. Por fim, Rafael
revelou detalhes da biografia que escreveu recentemente: “O homem da Feiticeira
– A história de Carlos Alexandre”. A conversa pode ser acompanhada a seguir.
(robertohomem@gmail.com)
SUPERPAUTA – Por favor, se apresente ao
leitor do Superpauta...
RAFAEL – Meu nome é Rafael Fabrício
Cardoso Duarte. Sou brasiliense, mas vim para Natal em 1998. Nasci há 34 anos.
Meu pai, Francisco José Duarte, nasceu em Alexandria e é funcionário do Banco
do Brasil. A minha mãe, Sônia Maria Cardoso Duarte, é funcionária pública e
natural de Belém. Eles se encontraram em Brasília, namoraram e casaram. Meu avô
foi para Brasília em 1961 ou 1962 para trabalhar. Era o começo da cidade. Ele
deixou minha avó e os cinco filhos, inclusive meu pai, em Alexandria. Repetiu aquela
história que a gente conhece, do imigrante que vai na frente para conseguir um
emprego, com a intenção de depois voltar para buscar a família. Dois anos
depois de ter conseguido vaga de porteiro em um prédio, mandou buscar minha avó
e os filhos, que continuavam em Alexandria. Foi todo mundo pra lá. Meu pai
chegou a Brasília com 10 anos de idade.
SUPERPAUTA – E a trajetória de sua mãe
até chegar a Brasília?
RAFAEL – Meu avô tinha uma mercearia
e quebrou. Foi mais ou menos na mesma época em que Brasília estava crescendo. A
capital do Brasil, naquela época, era um eldorado. Eles deixaram o Pará e foram
tentar a sorte no Planalto Central. Meus pais se encontraram no Ceub: ele fazia
Economia e ela Administração. Em 1979 eu nasci e em 1984 a minha irmã nasceu, a
Renata.
SUPERPAUTA – Depois que eles terminaram a
universidade, foram fazer o que da vida?
RAFAEL – Meu pai sempre trabalhou no
Banco do Brasil. Minha mãe foi para o Ministério das Minas e Energia. Ela era
funcionária pública ligada à burocracia, não tinha nada a ver com a atividade
fim do ministério. Meu pai galgou várias posições no banco e se aposentou. Como
era de Alexandria, ele quis voltar a morar no Nordeste. No começo ficou divido
entre Recife e Natal...
SUPERPAUTA – Vamos falar de você em
Brasília. Quais suas primeiras lembranças de lá?
RAFAEL – Brasília é uma cidade
diferente. Nasci em um hospital da Asa Sul, mas a minha família morava no
Guará. Com pouco tempo, eu bebê ainda, mudamos para a quadra 312 Norte. Desde
2001 que não vou lá. Não sei como a cidade está agora, mas, antigamente, você
encontrava muitas gangues nas quadras. Era complicado passar de uma quadra para
outra, em determinados momentos, por conta das brigas e das intimidações. Mas,
recordo muito das amizades. Fiquei na 312 até completar uns oito ou dez anos de
idade. De lá mudei para a quadra 310. Fiquei até os 18, quando vim para Natal.
SUPERPAUTA – Na 312, a quadra onde você
morava, também tinha gangue?
RAFAEL – Era uma das piores que havia.
Mas, como eu era pequeno, nunca me
envolvi. Já na 310, como era uma quadra
nova, não tinha isso. Só surgiu depois e ficou conhecida como LMD (Legião Mirim
da Dez). Por falar nas gangues, lembro que uma vez – eu era pequeno – estava
jogando bola com um amigo, perto de uns equipamentos de musculação, na 312. De
repente chegaram uns oito a dez caras e nos cercaram. Um deles disse: “caiam na
porrada, senão os dois vão apanhar”. Eles queriam que eu e meu amigo
brigássemos um contra o outro. Começaram a nos intimidar e, para a minha
surpresa, o meu amigo partiu para cima de mim. Me esquivei e dei um murro na
cara dele. O nariz começou a sangrar. Ele chorou e eu comecei a chorar também.
Eu por ter batido e ele por ter apanhado. Os caras me levantaram e comemoraram:
“ê, ganhou!”. Foi um trauma, nunca esqueci disso.
Foto: Roberto Fontes |
SUPERPAUTA – Vocês continuaram amigos
depois dessa briga forçada?
RAFAEL – A amizade esfriou um pouco.
SUPERPAUTA – No período em que morou em
Brasília você teve oportunidade de passar férias no Rio Grande do Norte?
RAFAEL – A gente vinha quase todo ano
para o Nordeste. Outras vezes ia para Cabo Frio, pro Rio... Em outras ia para
Porto Seguro, Salvador e ia subindo pelas capitais do Nordeste. Em Natal tem
uma tia do meu pai, Ciléia. Foi a primeira pessoa que me hospedou. Ela mora em
Ponta Negra. Outras tias minhas moram em Mossoró. Da parte mais antiga da família
ainda tem gente morando em Alexandria. Quando eu era pequeno, devo ter ido uma
ou duas vezes a Alexandria.
SUPERPAUTA – Seus pais gostavam de ler,
ouvir música ou de outra manifestação cultural?
RAFAEL – Tinha um som lá em casa. Um
dos discos que mais lembro que eles tocavam é de Maysa. Minha mãe gostava de
Emílio Santiago. Também tinha Cartola, Noel Rosa... Eles não eram de ouvir
música todos os dias ou todos os finais de semana, mas às vezes botavam. Minha
mãe ouvia mais. Em Brasília se ouvia mais rock. Lembro uma vez que eu peguei
todos os elepês que meus pais tinham – Noel, Adoniran Barbosa, Cartola, Nelson
Cavaquinho e Chico Buarque – e vendi tudo ou troquei por outros discos no sebo,
sem eles saberem. Ficaram putos da vida!
SUPERPAUTA – A explosão do rock de
Brasília teve alguma influência na sua formação?
RAFAEL – Sou da geração dos anos
1990, pós-Legião Urbana e Capital Inicial. Mesmo assim, a gente escutava muito.
Guardo um trauma por nunca ter ido a um show do Legião. Eles não tocavam em
Brasília por conta da grande briga ocorrida em uma apresentação realizada no
estádio Mané Garrincha.
SUPERPAUTA – Conte agora como se deu a
vinda de Brasília para Natal.
RAFAEL – Fiz cinco vestibulares para
Medicina, antes de fazer Jornalismo. Em Brasília estudei em um colégio chamado
Pinóquio. Depois mudou de nome para Sementinha. Fui sacaneado pra caralho, por
causa deste nome. Depois fui para o Dom Bosco, do grupo Salesiano. Quando
Collor confiscou a poupança dos brasileiros, fui para um colégio público, na
102 Norte. Lá estudei a 6ª série. Depois fui para o CEAN (Centro Educacional
Asa Norte), onde cursei a 7ª e a 8ª. Depois fui para o Objetivo, cursar o
segundo grau.
SUPERPAUTA – Era a grande grife da
educação privada naquela época.
RAFAEL – Sim. Tanto que, quando mudei
para Natal, procurei o Objetivo. Mas encontrei um colégio que ninguém dava
muito por ele. Na cidade, os considerados melhores eram Salesiano e Marista.
Para pré-vestibular tinha o CAP (Central de Aulas Particulares), que era
fortíssimo. Nessa época fiz cinco vestibulares para Medicina. Comecei a tentar
em Brasília. Vim para Natal antes de minha família. Morei seis meses sozinho.
Vim com um cartão de crédito do meu pai. Ele se arrepende até hoje. (risos).
SUPERPAUTA – A opção por Medicina foi sua
ou ideia dos seus pais?
RAFAEL – Eu gostava muito de criança,
ainda gosto. Por isso queria ser pediatra. Hoje já raciocino que ser dono de uma
creche teria resolvido. Eu queria ser médico, mas nunca tive afinidade com
Biologia, além de ser um terror em Física e Química. Eu não gostava das
matérias específicas da área. Fiz vestibular para Medicina na UnB e nas
universidades do Rio Grande do Norte, Sergipe, Minas Gerais e Paraíba. Um dia
saí para caminhar na praia. Saí a pé de Capim Macio, da casa onde meu pai mora
até hoje. No percurso, resolvi que prestaria vestibular para Jornalismo ou
Publicidade. Inicialmente estava dividido entre os dois. Depois, optei por
Jornalismo. No dia seguinte, a gente almoçando, todo mundo junto – parecia
coisa de filme – eu falei: “pai, não vou mais tentar vestibular para Medicina,
vou fazer Jornalismo”. Ele, que estava comendo, parou, tacou a faca e o garfo
em cima do prato, se levantou e saiu. Engraçado, pareceu filme. Hoje ele se
arrepende desse gesto.
SUPERPAUTA – Certamente não foi o apoio
que você gostaria de ter recebido...
RAFAEL – Na época ele realmente não
apoiou, mas depois... O grande apoio que tenho é do meu pai. Aquela reação se
deu porque ele deve ter achado que eu não queria estudar. Foi um anticlímax: de
medico pra jornalista é uma puta diferença. (Risos). Fiz vestibular na UFRN e
passei.
SUPERPAUTA – Como foi trocar Brasília por
Natal, duas cidades tão diferentes uma da outra?
RAFAEL – Não senti dificuldades para
me adaptar à nova cidade, mas senti falta dos amigos. Com 18 anos, a amizade é
uma ligação é forte. A família toda queria vir para Natal, mas vim sozinho
primeiro. Sem os amigos, foi fogo. Senti falta da turma do futebol, do pessoal
do bloco...
SUPERPAUTA – Essa solidão veio antes ou
depois de o seu pai tomar o cartão de crédito?
Foto: Roberto Fontes |
RAFAEL – (Risos) Eu morava no Center
Sul Ponta Negra, em uma quitinete. Não tinha amizade com mais ninguém, além do
porteiro do prédio. Minha mãe veio e ajudou a mobiliar o apartamento. Para
falar a verdade, ela não ajudou: mobiliou! Eu não trabalhava, só estudava, até
passar o vestibular, em 2001. Ainda fiz uns vestibulares de Medicina. Cheguei
em Natal no dia 28 de julho de 1999, debaixo da maior chuva que vi na vida. Nem
as fortes chuvas que caíram em 2006 se comparam a essa. Meus pais vieram em
dezembro. Quando chegaram, mudamos para uma casa na Rua Praia do Sagi, em Ponta
Negra. Depois disso voltei para Brasília e morei seis meses lá, me preparando
para o vestibular da UnB. Fiquei na casa de um tio vascaíno. Foi no ano 2000,
quando o Flamengo tomou de 5 a 1 do Vasco, na Taça Guanabara. Como sou
flamenguista, nesse dia não quis chegar em casa de jeito nenhum. Só voltei
depois da meia-noite. Como não passei no vestibular, voltei para Natal. Não saí
mais da cidade. Formei-me em 2005.
SUPERPAUTA – Em qual universidade você se
formou?
RAFAEL – Na UFRN. Mas não vamos falar
sobre Carlos Alexandre? Estou brincando. Naquela época, nós, os alunos,
tínhamos um medo danado porque o curso estava ameaçado de fechar, por causa de
notas baixas no Provão. Fiz o curso fora da sala-de-aula, participando de
movimento estudantil. Ingressei logo no Centro Acadêmico. Foi quando adquiri
maior consciência política das coisas. Com uma semana de aula, já começou uma
greve. Fui o único do curso a acampar na Reitoria. Dormi lá duas ou três vezes,
e permaneci acampado boa parte dos outros dias. Acompanhei tudo e até participei
de uma daquelas comissões. A partir deste episódio, fui moldando minha
consciência política. Na gestão seguinte fui presidente do Centro Acadêmico
Berilo Wanderley. Brigamos por mais estrutura. Fizemos até manifestações
exigindo o laboratório, que ainda não existia.
SUPERPAUTA – Quando terminou a faculdade,
que rumo você deu à vida?
RAFAEL – Ainda como aluno, fui atrás
de estágio. Estive duas vezes no Jornal de Hoje. Na Tribuna nem me deixaram
subir, avisaram da portaria mesmo que não estavam precisando. Marco Aurélio, no
Jornal de Hoje, ficou de dar uma resposta depois. No Diário de Natal fui sete
vezes, porque alguns colegas da minha sala já estavam estagiando lá. O Diário
era mais aberto do que a Tribuna.
SUPERPAUTA – E mais perto do Bar de
Lourival, também...
RAFAEL – É, e a Tribuna é um jornal
mais conservador, até hoje. Eu queria entrar no Diário de qualquer jeito. O
primeiro currículo que deixei, foi para a gaveta. O segundo, a mesma coisa. Enviei
o terceiro quando namorava uma menina que era sobrinha de um diretor de futebol
do ABC, Nilson Mário, o Nilson Beckenbauer, que morreu. Tentei a vaga por meio
dessa peixada. Nilson era amigo de Edmo Sinedino, o editor de Esporte. Edmo
disse que entraria em contato, caso surgisse qualquer coisa. Como não deu em
nada outra vez, apelei para Albimar Furtado. Pedi um estágio, mesmo que fosse
para não receber nada. Propus ficar um tempo em experiência. Ele me mandou falar
com Osair Vasconcelos. Fui numa quinta-feira, dia de fechamento de O Poti. Também
nem subi: por telefone Osair disse para eu voltar outro dia. Procurei novamente
Albimar. Ele disse que eu fosse na terça-feira falar com Carlos Magno Araújo.
Cheguei lá no dia 3 de agosto de 2004, data do meu aniversário.
SUPERPAUTA – A vaga foi o seu presente?
RAFAEL – Quando Carlos Magno disse
que ia deixar o meu currículo lá, eu falei: “cara, você tem sete currículos
meus aqui. E são todos iguais, porque não mudou nada, não consegui emprego em
lugar nenhum”. Ele então mandou eu voltar para começar na quinta-feira. Mas explicou
que, como não tinha vaga, eu trabalharia um tempo sem receber. “Se der certo, a
gente lhe contrata”. Beleza! Saí de lá, tomei uma cerveja em Lourival, para
comemorar, e fui embora. Comecei na quinta-feira. A primeira matéria foi “suitar”
o aniversário de um ano de um buraco, no Alecrim. E por telefone! Engraçado é
que eu tinha levado também o meu currículo ao IEL, e, uma semana antes de
começar no Diário, fui indicado para um estágio no escritório Jota Oliveira.
Fui, pois estava doido pra trabalhar. Minha tarefa era redigir notas para ele publicar
na Tribuna. Eu vesti a camisa da empresa: “Rasgando folhinha disso e tal, não
sei o que”. No terceiro dia, Jota Oliveira mandou um recado para mim, por um
dos seus funcionários. “Oliveira está gostando muito do seu trabalho, mas ele
está achando que suas notas estão um pouco gays
demais”. (risos).
SUPERPAUTA – E o programa esportivo da
TVU?
RAFAEL – Quando comecei na
Universidade, Matheus Cirne - sobrinho de Moacy e amigo com quem eu tinha feito
cursinho – produzia um programa chamado “Clip Ciência”, na TVU. Ele me chamou
para trabalhar por lá. Eram minidocumentários de cinco minutos. A gente fazia
as pautas, produzia e editava esses programas. Depois fui para o TVU Esportes,
com Fernando Amaral e Lupércio Luiz.
SUPERPAUTA – Você chegou a fazer crônicas
coloquiais sobre o futebol...
RAFAEL – Eu escrevia e lia durante o
programa a “Crônica da Semana”. O formato era mais ou menos aquele que Arnaldo
Jabor usa. A ideia era eu redigir um texto bem humorado, comentando um assunto
relacionado ao final de semana do futebol local. O que não faltava era assunto,
pois no nosso futebol aconteciam situações inusitadas. Fiquei mais de um ano,
com essa crônica, que foi ideia minha. Eu era repórter de campo quando expus
essa minha intenção para Lupércio e Fernando. Eles toparam. A primeira foi
sobre o Atlético Potengi, um time sem estrutura nenhuma, que sequer treinava. No
dia de jogo, os atletas se encontravam na porta do estádio. A repercussão foi
boa. Com o tempo, passei a ser abordado nos estádios por pessoas que me
reconheciam e queriam saber qual seria o próximo tema.
SUPERPAUTA – E a sua experiência na
bancada do programa?
RAFAEL – Fui promovido para dividir a
bancada com Lupércio e Fernando. O fato mais pitoresco desse período foi em 2005.
O América foi jogar contra o São Gonçalo, fora de casa, e foi derrotado por 2x1.
Ele perdeu a primeira partida no domingo, o nosso programa foi ao ar no dia
seguinte. Perguntaram o que eu achava. Opinei que o São Gonçalo passaria
tranquilamente, que o América não tinha mais chance. Lupércio fez a mesma
pergunta a Fernando. Ele concordou comigo. Só que no domingo seguinte, o
América derrotou o São Gonçalo e se classificou para a próxima fase. O
adversário da semifinal era o Assu. No primeiro jogo, o América foi derrotado
por 2 a 0, no Machadão. A segunda partida seria fora. Na segunda-feira, no
programa, mais uma vez Lupércio perguntou a nossa opinião. Eu disse que tinha
errado o prognóstico a respeito do jogo contra o São Gonçalo, mas no caso da
partida contra o Assu, a fatura já estava liquidada: o América seria eliminado,
não conseguiria reverter aquele placar de dois gols contra. Fernando Amaral disse
mais ou menos a mesma coisa. Cara, o América ganhou de 3 a 0 e eliminou o Assú.
SUPERPAUTA – É bom lembrar que você ainda
era aluno do curso de Comunicação. Mas, continue a história. Como foi enfrentar
o telespectador depois de mais um palpite furado?
RAFAEL- Sim, eu ainda era aluno. As
torcidas ligavam muito para sacanear,
diziam que a gente não sabia de nada, e
tal. Eu não sabia o que fazer, mas tive uma ideia. Peguei todos os colares que
a minha mãe tinha em casa e uma toalha branca, e fui para a TVU, participar do
programa, que era transmitido ao vivo. Quando cheguei, Fernando estava na
lanchonete da emissora. Ele olhou pra mim com uma cara de quem pergunta: “o que
nós vamos dizer?”. Eu disse a ele que apareceria caracterizado como vidente
desempregado. Ia dizer que a gente tinha errado. Dei as instruções à
maquiadora, Marinalva, enrolei a toalha na cabeça como um turbante, coloquei os
colares todos por cima da camisa branca que eu vestia e fiquei pronto para o
programa. Foi muita gente para dentro do estúdio, para ver. Era ao vivo. Com todo
mundo, já rindo, Lupércio abriu falando que o América e o ABC tinham se
classificado para a final do estadual. E disse que os comentaristas falariam um
pouco do que tinha sido aquele final de semana. Perguntou primeiro a Fernando.
Ele respondeu que infelizmente tínhamos errado mais uma vez a nossa previsão,
mas que o América era um grande time e tal... Quando Lupércio voltou-se para
mim e disse: “e você, Rafael, o que tem a dizer?”, Fernando caiu na gargalhada.
No ar, ao vivo. Eu parei na frente da câmera e disse: “diante dos últimos
acontecimentos, peço demissão agora da cadeira de vidente do TVU Esporte...”.
Cara, até um dia desses alguém lembrou. Eu estava cumprindo uma pauta do Novo
Jornal e o cara lembrou, no Alecrim. Isso desarmou os telespectadores. Ninguém
telefonou para me sacanear. Foi engraçadíssimo. O pessoal atrás das câmeras riu
demais. Foi massa. Não sei se tem gravado. Era bom que tivesse. A TVU foi uma
escola, em todos os sentidos. Foi um tempo massa.
Foto: Fabiana Bagdonas |
SUPERPAUTA – E no Diário? O que você fez
de importante por lá?
RAFAEL – No Diário, fui tomar uma
cerveja no Lourival e trabalhei cinco meses de graça, sem receber um centavo.
Na verdade, paguei para trabalhar. Mas lá eu só não fiz economia. O trabalho
mais marcante foi a cobertura do “Foliaduto”. Fui eu quem descobriu este
escândalo. Na verdade, o Jornal de Hoje deu uma primeira matéria dizendo que o
Ministério Público estava achando estranha a contratação de alguns shows. Fui
pautado para correr atrás do assunto. Falei com o promotor Fernando
Vasconcelos, o responsável pelo caso. Ele disse que estava checando uma relação
de shows. Disse ainda que se o Rio Grande do Norte realmente tivesse todas as
bandas de frevo discriminadas no documento, seríamos um polo de frevo maior do
que Recife e Olinda. Eram 30 bandas de frevo, em várias cidades. Peguei a
relação de todos os shows e os respectivos municípios, que estava no Diário
Oficial. Liguei para as prefeituras, perguntando como tinha sido o carnaval. Muitas
disseram que não tinha havido carnaval na cidade. Eu insisti se tal banda tinha
tocado lá. A resposta, mais uma vez, era negativa. Fui para Carlos Magno, o
chefe de redação, e para Mulatinho, o editor de Cidades. Contei o que eu tinha
apurado. Mulatinho pediu para eu tomar cuidado: disse que o que eu estava
falando era grave e perguntou se eu tinha falado com os prefeitos.
SUPERPAUTA – E você tinha?
RAFAEL
– Não, mas tinha
falado com funcionários das prefeituras. Depois, telefonei para as bandas.
Liguei para o produtor da Banda Beijo, por exemplo. Ele disse que a banda não
fazia shows desde o começo dos anos 1990, quando Netinho tinha saído. Chequei
com outras bandas e voltei a falar com Carlos Magno e Mulatinho: eles
concordaram que a gente tinha que dar aquela matéria. O desdobramento é que François
Silvestre, o então presidente da Fundação José Augusto, convocou uma coletiva
para explicar o caso. Tentei entrevistá-lo antes, mas ele se recusou a falar
antecipadamente. Então publicamos no jornal dez perguntas que François precisava
responder. O título do texto foi “Trinta shows sob suspeita”. Na coletiva, François
disse que não sabia de nada e fez a sua defesa. Um tempinho depois, pediu
demissão. O negócio estava se fechando tanto, que ele saiu. Mas é bom deixar
claro que ele sequer chegou a ser denunciado. Um promotor me disse, cinco anos
depois, que o esquema foi criado durante as férias de François, o que reforça a
tese de que ele pode muito bem não ter tido conhecimento do crime.
SUPERPAUTA – Quando você trocou o Diário
pela Tribuna do Norte?
RAFAEL – Foi justamente durante essa
cobertura que a Tribuna me chamou para trabalhar no caderno de Cultura. Mas
deixa eu registrar que, no Diário, a gente deu uma bobeira porque não batizou
aquele escândalo, que não tinha nome. O Ministério Público ainda não tinha aberto
oficialmente a operação, estava só investigando. A Tribuna foi quem deu o nome de
“Foliaduto”, já no meio da cobertura. Foi do caralho, pegou! Mas, fui trabalhar
na Tribuna, mas acompanhando - e meio que torcendo, também - pelo Diário. Só quando
o Ministério Público fez a denúncia, depois de tudo o que investigamos e
apuramos, percebi que o Diário tinha algum problema. Constatei isso porque o jornal
desse dia saiu com a seguinte manchete: “TV digital chega a Natal em cinco
anos”. Aí senti que o jornal estava sofrendo alguma interferência de cima.
Graças a Deus eu não estava mais lá. Até então eu não tinha certeza se havia
agido certo em deixar o Diário, no meio daquela cobertura. Essa manchete dissipou
qualquer dúvida.
SUPERPAUTA – Mas até você deixar o
Diário, seu trabalho não havia sido cerceado. Por que, então, você - que
sonhava tanto em trabalhar no Diário - trocou o jornal pela Tribuna,
principalmente em um momento em que era o responsável pela principal cobertura
da cidade, o Foliaduto?
RAFAEL – Eu chegava no Diário às oito
da manhã e saía às nove da noite. Pegava a pauta do Foliaduto e mais três ou
quatro: estava sobrecarregado demais! Fazia Esporte, escrevia para o Muito...
Se fosse só o Foliaduto... Ainda pensei muito, mas eu queria trabalhar com
Cultura, até porque já escrevia para a Brouhaha, a revista da Capitania das
Artes. Além do mais, quando é sempre bom receber um convite, ter o trabalho
reconhecido. Ainda mais na Tribuna, jornal onde eu tinha ido e sequer me
deixaram subir. Eu voltaria como convidado.
SUPERPAUTA – Como foi o período na
Tribuna?
RAFAEL - Foi bom. A primeira matéria
que fiz foi a entrada de um jornalista na
Academia Norte-Rio-Grandense de
Letras, Ticiano Duarte. Por falar em Ticiano, tenho uma história bem legal com
ele, mas já da fase quando estive no Novo Jornal. Quando Ticiano completou 80
anos, fui pautado para escrever um perfil dele. Por telefone, agendei a
entrevista. Ticiano foi bem solícito: “Ô, Rafael, gosto muito dos seus textos,
leio todo dia, você escreve muito bem”. Falei que queria fazer um perfil dele e
perguntei se me receberia. “Claro, com o maior prazer”. No dia combinado,
interfonei e Ticiano me mandou subir. Foi engraçado demais! Quando cheguei em
seu andar, a porta estava aberta. Ele estava de costas, com uma bengala,
pegando alguma coisa na mesa daquela sala grande. Bati na porta, só para ele
perceber que eu estava chegando. E fiquei em pé, aguardando. Ticiano me olhou dos
pés à cabeça. Depois de me analisar detalhadamente, falou: “você é gordo,
hein?”. (Risos). Será que ele estava esperando um personal trainer??? Ou que o repórter fosse um gostosão? “Eu
esperava outra pessoa”, ele disse. Eu nem sabia que os meus textos eram magros!
Mas passar dois anos na Tribuna, trabalhando com Cinthia, foi massa.
Foto: Fabiana Bagdonas |
SUPERPAUTA – Você trocou a Tribuna pelo
Novo Jornal?
RAFAEL – Não. Saí da Tribuna e fui
trabalhar no Sindicato dos Bancários e no Sindicato da Saúde. Estava um pouco
cansado da rotina de redação. Quando rolaram aquelas demissões no Diário – que houve
aquela avalanche toda e o Diário de Pernambuco tomou conta – senti vontade de
voltar para lá. Achei que seria legal fazer parte daquele projeto que estava
começando. A Juliska Azevedo me convidou para voltar para o Diário. Cassiano
ainda estava por lá. Ele foi demitido duas semanas depois que eu retornei. Fiquei
no Diário até Carlos Magno me telefonar e informar que Cassiano ia lançar um
jornal. Fui convidado para ser repórter especial. Deu certo. Fiquei por lá
quatro anos e quatro meses.
SUPERPAUTA – No Novo Jornal, você
ressuscitou o campeonato anual de chatos da cidade...
RAFAEL – Propus a Cassiano fazer, no
jornal, a eleição do chato do ano. A princípio, ele disse que no dia em que eu
tivesse um jornal, poderia fazer. “No meu jornal, não”. Mas logo ele virou e
falou: “você não tem o seu espaço? Faça nele”. Ele não queria que o jornal
assumisse. Fiz e deu uma repercussão danada. Tanto que, depois de divulgado o
resultado, uma semana ou um mês depois Cassiano me disse: “olha, no ano que vem
eu quero uma página. Mas você tem que assinar, pois o jornal não vai se responsabilizar”.
Concordei. Ao contrário do que algumas pessoas imaginam, a lista nunca teve
interferência de Cassiano. No segundo ano, quando o jornal deu uma página
inteira, ele perguntou quem eram os chatos escolhidos. Eu disse que só diria no
dia. Passou a segunda e ele perguntou de novo pela lista. Respondi que na
quinta ele saberia, já que sairia na edição da sexta. Na quarta, a mesma coisa.
Ele só viu na quinta mesmo, quando a página estava diagramada. Olhou e não
gostou da inclusão de João Faustino, que era classificado como o chato que
perdoa, por causa do seu livro “Eu perdoo”. Tinha também Carlos Augusto Rosado,
“o chato invisível”. Cassiano disse que ficariam putos com ele, mas, como tinha
autorizado... Na terceira edição, a ex-prefeita de Mossoró, Claudia Regina, foi
escolhida como a mais chata, por ter sido cassada 13 vezes. Na véspera de a
lista sair, uma quinta-feira, Everton Dantas me ligou umas nove da noite.
Explicou que não era censura, mas Cassiano tinha sugerido alterar um negócio. Eu
tinha escrito que ela tinha sido rejeitada pela população. Mas, de fato, depois
contemporizei: ela não foi rejeitada pela população, mas pela justiça. Cassiano
estava certo. Mas ele ficou puto, porque Claudia Regina era sua amiga. Só que a
lista era minha e ele tinha me autorizado a fazer. Ainda discutimos, no sábado.
Ele questionou o fato de Claudia Regina ter ficado em primeiro lugar e opinou
que ela não era chata. Argumentei que uma pessoa que é cassada 12 vezes, e
ainda quer continuar no cargo, é muito chata. Cassiano disse que ela já estava
para baixo, e tinha ficado muito mal. Ele achou que eu tinha feito aquilo para
provocá-lo. Muita coisa acontece no Novo Jornal sem que Cassiano saiba
antecipadamente. Mas as pessoas acham que tudo o que acontece por lá é coisa
dele.
SUPERPAUTA – Dê um exemplo.
RAFAEL – Cassiano não sabia, por exemplo da famosa manchete, a que
mais repercutiu: “Wilma dá adeus com Garota Safada”. Até um tempo desses, os títulos do Novo Jornal, que são tão
comentados, eram feitos em grupo. Um dá uma sugestão, outro dá outra, um fala
uma coisa...
SUPERPAUTA – Teve também o título de uma
matéria a respeito de um menino chamado Hitler, que passou no vestibular.
Foto: Fabiana Bagdonas |
RAFAEL – O menino passou na primeira
fase, em 2011. Chamava-se Adolf Hitler. Ele era amigo do irmão de Everton
Dantas, o chefe de redação. Fui fazer a matéria. O detalhe é que em frente à
casa do garoto há uma sinagoga. A história é sensacional! Ele nem sabia direito
quem é Hitler. Sua mãe teve um caso com um cara, e Adolf Hitler foi fruto desse
relacionamento. O pai batizou o menino no cartório enquanto a mãe ainda estava
no hospital. Não avisou que nome ia colocar. Isso ocorreu em Currais Novos. A
mãe, mesmo não sabendo quem tinha sido Hitler, não gostou do nome. O menino cresceu
com esse carma, vamos dizer assim. A vida transcorreu tranquila, até ser
aprovado no vestibular. Quando o nome dele foi publicado entre os que passaram,
as redes sociais começaram a estampar frases como “ele voltou”, “filho da puta”
e tal. Passou a ser massacrado no Facebook, Twitter e tal. Durante a
entrevista, ele me contou sua história, disse que nunca tinha passado por
aquele constrangimento e que gostaria de mudar o nome. Também consegui o
telefone do pai dele e mantive contato. Ele não quis comentar o assunto. A
manchete do jornal foi: “Entrevistamos Adolf Hitler”. Algum tempo depois, eu
estava tomando uma cerveja quando uma amiga da TV Tropical, Mariana Cremonini,
me encontrou e falou que eu não podia mais entrar em Currais Novos. Ela tinha
ido atrás da história de Adolf Hitler e o pai do menino contou que me mataria
se eu fosse à cidade. O problema é que ele é casado há mais tempo do que o
menino nasceu. A esposa soube da infidelidade pelo jornal. É fogo: se ele
tivesse batizado o menino como “João da Silva” ninguém ia nunca entrevistá-lo
por isso. Depois dessa confusão toda, ele conseguiu trocar o nome para Adolf
Henrique...
ZONA SUL – Por que você saiu do Novo
Jornal?
RAFAEL – Vivi lá os melhores momentos
da minha vida profissional como repórter. Eu era da linha de frente, fazia as
principais matérias. Principalmente no primeiro ano. Só não gostei da época em
que fui para a chefia de reportagem, que é horrível. Eu sempre dizia que nunca
ia assumir, mas surgiu a vaga e pedi mesmo, para como era. É burocrático
demais, não tem nada a ver comigo. A minha média em empresa era dois anos. Eu
já estava lá há mais de quatro. Foi quando recebi uma proposta legal de
Virgínia Ferreira, da Secretaria Municipal de Planejamento. Eu trabalhava
também na Funcarte, com Dácio Galvão. Saí dos dois. O salário é melhor. Estou
na Sempla (Secretaria Municipal de Planejamento). Sou diretor do departamento
de estudos e pesquisas. O trabalho é planejar a cidade, fazer pesquisa
relacionada à região metropolitana e políticas públicas. Não tem nada a ver com
jornalismo, mas é um desafio.
SUPERPAUTA – Como surgiu a ideia de
escrever a biografia de Carlos Alexandre?
RAFAEL – O editor José Correia Torres
conseguiu incluir na Lei Djalma Maranhão um projeto chamado “Biografias”. Ele
convidou quatro pessoas para escrever esses livros: Sheila Azevedo (que
escolheu Newton Navarro), Luana Ferreira (optou por Jesiel Figueiredo), Alexis
Peixoto (escreveu sobre Homero Homem) e o historiador Rostand Medeiros (que ia
escrever sobre Cornélio Carpina, do Araruna). Os três primeiros concluíram o
trabalho. Rostand, pelo que eu soube, teve um problema com a família do
Cornélio e desistiu de fazer. Foi quando José Correia Teles me chamou. Fui à
casa dele e conheci o projeto, que já estava com seis meses. Mesmo com o tempo curto,
topei. Ele me apresentou uma relação de personagens, na mesma hora escolhi
Carlos Alexandre. Outra opção na área da música era Elino Julião, que ele só me
falou depois que eu tinha optado por Carlos Alexandre. Quando eu soube, ainda
olhei assim, mas preferi Carlos Alexandre mesmo. Em Brasília eu tinha ouvido “Feiticeira”,
mas no rádio da empregada. Na verdade, só passei a me interessar pela música
brega depois que resolvi escrever o livro. Sou de uma família de classe média
onde até hoje o brega não entra. Eu sabia que Carlos Alexandre era do RN e
tinha feito “Ciganinha” e “Feiticeira”, como a maioria das pessoas sabem. O
primeiro prazo que ele deu foi de oito meses. Eu não respeitei. Mas nenhum de
nós entregou no prazo. Gastei quase um ano e meio.
SUPERPAUTA – Como foi escrever uma
biografia com prazo curto e com um pagamento que pode ser considerado baixo?
RAFAEL – Cada um recebeu R$ 10.500,00
para fazer o livro. Metade no início e o restante na entrega. Esse dinheiro era
para tudo. Fui bater em Pernambuco, na Paraíba... Meu trabalho foi facilitado porque
Carlos Alexandre morreu novo - com 31 anos de idade - e há apenas 25 anos. Boa
parte dos personagens está viva. Tive sorte também porque a família guardou
muita coisa dele. Quando entrevistei Fernando Mendes, autor de “Cadeira de
Rodas”, ele disse que não tem nada guardado dele. Não tem um pedaço de jornal sobre
sua história. E Fernando é um grande nome, sobretudo depois que Caetano gravou
“Você não me ensinou a te esquecer”. Ele tem uma história lindíssima, no brega.
Mas a família de Carlos Alexandre abriu, além do coração, o baú. Deu tudo. Também
encontrei um fã dele em Recife. O cara tem tudo: fotos, discos, vídeos... Existe
um caso de amor mesmo entre os fãs do brega e seus ídolos. É um troço muito
bonito que ocorre na periferia do país.
SUPERPAUTA – A música brega é um reflexo do
que as pessoas da periferia vivem.
RAFAEL – Os compositores brega falam
sem metáforas. Para Chico Buarque falar que ama alguém, dá uma enorme volta. É
lindo, mas não diz diretamente “eu te amo”. Escolhi Carlos Alexandre porque
achei que contaria uma história interessantíssima, além do apelo nacional que
ele tem até hoje.
SUPERPAUTA – Você publicou no livro o
recorte de uma matéria da Tribuna que trata Carlos Alexandre, no título, como
“fenomenozinho”. A mídia potiguar praticamente ignorou Carlos Alexandre até a
sua morte. Como você vê esse preconceito?
RAFAEL – O preconceito fica explícito
quando você vai pesquisar sobre ele. Infelizmente não tive acesso às matérias
do Diário, por conta da briga sobre quem vai ficar com o arquivo do jornal. Mas
é impressionante: são raríssimas as entrevistas ou matérias sobre Carlos
Alexandre, na Tribuna. Ele próprio reclamava que o Rio Grande do Norte não
reconhecia o seu trabalho. Ele foi mais conhecido e fez muito mais sucesso em
Pernambuco e no Pará do que aqui.
SUPERPAUTA – Seu próprio livro explica
que a partir do momento em que Carlos Alexandre foi trabalhar na campanha de
José Agripino para governador, em 1982, a Rádio Cabugi passou a ignorá-lo.
RAFAEL – Carlos Alexandre foi
censurado duas vezes. Uma pela RGE, mas essa não foi uma censura política. A
outra foi pela Cabugi, essa sim. A primeira foi quando ele lançou “Feiticeira”.
Um dos versos, no original, era “Feiticeira, é essa a mulher com quem me
casei”. Ele compôs para a sua esposa, Solange. A gravadora, argumentando que
artista solteiro vendia mais do que artista casado, sugeriu que ele trocasse.
Então, para esconder o casamento, ele trocou para “Feiticeira, é essa a mulher
que por ela gamei”. Solange e Carlos Alberto foram os dois grandes pilares da
carreira dele. A censura política foi em 1982. Ele foi criado dentro da Cabugi,
com a força de Carlos Alberto. Fez vários comícios para Carlos Alberto, no seio
dos Alves. Então, quando foi contratado por José Agripino para fazer sua
campanha contra Aluízio Alves, os Alves piraram. Não aceitaram de jeito nenhum.
A programadora musical da Cabugi, Ednalva Moura – que já faleceu – me contou uma
história interessante em uma entrevista tenho gravada. O diretor da rádio
Cabugi – ela não citou o nome – teria ligado e ordenado para ela, de forma
áspera, que quebrasse todos os discos de Carlos Alexandre. Proibiu de tocar
suas músicas na emissora, inclusive no programa “Patrulha da Cidade”, que
ilustrava algumas das notícias com “Vá pra cadeia”. Ao invés disso, ela guardou
os discos e levou para casa. Essas foram as duas censuras que Carlos Alexandre sofreu
na época em que a ditadura ainda rolava.
SUPERPAUTA – Carlos Alexandre morreu no
auge ou já na decadência? Ele teria como crescer?
RAFAEL – Uma coisa que me chamou
atenção durante a apuração do livro é que ele nunca viveu a decadência. Quando morreu,
em 1989, estava estourado com a música “Sei, sei”. Tinha se apresentado em
programas de auditório como Bolinha e Raul Gil. Depois daquela época veio a
música sertaneja. No último disco já dá para perceber uma inclinação de Carlos
Alexandre para esse lado também. Não vou dizer que ele ainda ia conquistar um
sucesso maior do que já tinha. Mas, se você pegar o brega, por exemplo,
Reginaldo Rossi explodiu mesmo nos anos 1990, apesar de vir desde a época da
Jovem Guarda.
SUPERPAUTA – Você falou que, por questões
comerciais, Carlos Alexandre tinha que se apresentar como solteiro. Ele
usufruía dessa condição para conquistar muitas mulheres?
RAFAEL – Muito. Mas ele já era conquistador
mesmo antes de ficar famoso. Quando começou a namorar a mulher que se tornou
sua esposa, todas as empregadas domésticas da rua já tinham passado por ele. A
própria Solange dizia: “eu me casei com Pedrinho, Carlos Alexandre é um
personagem”. Mas ela sofreu muito. Conversei horas com ela. Solange chorou
algumas vezes. Ainda hoje ela está descobrindo traições. Um desses casos está bem
narrado no livro. Ele se envolveu com a menina da porta da frente da casa
deles. Era gente da convivência da família. Algumas pessoas acham que os
biógrafos não devem entrar na intimidade das pessoas. Penso que nesse caso foi fundamental
para compor o personagem Carlos Alexandre. O biógrafo é um pesquisador, não é
um paparazzi que sai atrás da vida pessoal pra saber quem deu para quem e quem
comeu quem. Essas histórias de traições só estão no livro porque fazem parte do
personagem. O brega é muito isso. Fala de desilusão amorosa, do amor, fala de
traição... E os artistas viviam o que cantavam.
SUPERPAUTA – Quem tiver interesse em ler
o livro, como faz? Quando sai a segunda edição?
RAFAEL – O livro foi financiado com
dinheiro público, saiu pela Lei Djalma Maranhão. Da tiragem de 500 exemplares,
fiquei com 150. Os demais estão sendo distribuídos em bibliotecas de Natal, do
Rio Grande do Norte e do resto do Brasil. Não posso vender nenhum exemplar.
Estou distribuindo para amigos, imprensa e tal. Já estou preparando a segunda
edição. Estou retificando algumas coisas que não saíram legais. Como os
direitos são de cada autor, essa segunda edição poderá ser comercializada. Quem
quiser manter contato comigo, pode mandar mensagem para orafaduarte@gmail.com Talvez eu crie uma página no
Facebook só para o livro.
SUPERPAUTA - Sua biografia não é chapa
branca. Retrata um Carlos Alexandre que chegou até a prejudicar outras pessoas.
Tinha defeitos como qualquer um. O livro não esconde os defeitos que ele tinha.
RAFAEL – A biografia é a história de
um personagem, mas ela não esgota aquele assunto. Não acredito em biografias
definitivas. Se aparecer algum outro pesquisador, ele poderá melhorar e ampliar
o que eu já contei. Tenho certeza que no lançamento ou alguma outra oportunidade
vai chegar alguém com alguma história nova que não está no livro. Biografia retrata
a vida de um cara igual a qualquer outro, com defeitos e qualidades. Por isso
não fiz nem nunca vou fazer uma biografia chapa branca. Carlos Alexandre é um
humano que cometeu um monte de merda, mas fez coisas maravilhosas. É um ídolo
nacional. Carlos Alexandre era um cara de coração imenso, mas tinha seus
deslizes, como qualquer outro.
SUPERPAUTA – Você pretende continuar
escrevendo biografias?
RAFAEL – Sim. É um trabalho muito
divertido. Tenho uma vontade grande de escrever a biografia de Luis Maria
Alves. É um ótimo personagem. Aluízio Alves também daria uma excelente
biografia.
SUPERPAUTA – Obrigado e parabéns pelo
livro. Ficou ótimo!
Depois da entrevista de José Valdir Julião esta foi um das mais interessantes que li, principalmente por ser da área do jornalismo "provinciano"...
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